Maria Júlia
Foi aí que me lembrei de Aladim das histórias de Mil e Uma Noites que eu adorava ler e reler, e por associação, do gênio que atendia a todos os desejos. Então, pura telepatia, que você apareceu, seu gênio danado, e começou a me interrogar. De onde eu era, como era, o que queria, o que pensava, de onde vinha, para onde ia, enfim, todas as perguntas que eu não estava preparada para responder naquela tenebrosa noite, visto o adiantado da hora, e diante da enorme aflição que me invadia.
Você era um gênio tipo padrão com sua barbicha, sobrancelhas cerradas e arqueadas, orelhas pontudas e grandes, uma cauda enrolada como um fio que saía do bico da lâmpada. Difícil para mim descrever gênios, já que eu convivia com pobres mortais de inteligência média. Tinha uma cara meio de mau, de levado e de maroto (para não dizer, sacana), de um moleque, gozador. Começou recitando a sua bula medicinal, as instruções de uso. Que só era permitindo fazer um desejo. Que eu devia ficar ciente que qualquer desejo é por si fadado à frustração, pois quando satisfeito, evapora-se, vira fumaça igual àquela da lâmpada. Repetiu que eu precisava me dar conta de que só se deseja o que não se tem, e portanto, nunca temos o que se desejamos, que não podemos ser felizes já que o desejo está condenado ao fracasso. Que qualquer filósofo de bolso sabia disso, os grandes pensadores escreveram tratados e estudos a respeito, assim era a bendita natureza humana. Portanto, era a sua sugestão de gênio amigo, que eu pensasse duas vezes antes de formular o meu pedido, que este pedido também não incluísse nada de extremamente abstrato, algo como, por exemplo, a felicidade.
Estando a par da minha origem, ele até citou meu conterrâneo Tom Jobim: “a felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranquila, depois de leve oscila, e cai como uma lágrima de amor”. Poético e letrado, o meu gênio. E prosseguiu: Afinal, o que significa ser feliz? As pesquisas na Holanda, país onde você reside, não vivem indicando que 80% dos holandeses são felizes? Desde quando? Você já os viu sorrindo por aí, alegres, descontraídos, distribuindo amabilidades? É tudo muito relativo. Também não faço a pessoa amada voltar em três, quatro, nem mesmo em 365 dias, não adianta pedir, a minha genialidade não é ilimitada, e sobre isso, dou-lhe meu último conselho em forma de verso tirado do bom e velho dr. Google:
6 Comments
Oi Julia, gostei da releitura da história do gênio e o melhor é que no final não tem pedido nenhum! Muito boa também a reflexão de que o desejo está sempre escapando e a relação disso com a relatividade do que é felicidade.
Nossa, obrigada Eliana mas não me deixe sem graça! Eu também gosto bastante deste texto! Logo lerei o teu com a devida atenção. M. Júlia
Fantasia, humor, leveza, profundidade, caldo cultural e a crua realidade do ronco ao lado. Quem nos faz rir na escrita só pode ser genial. Quem nos faz rir na atual conjuntura só pode merecer que lhe beijemos os pés. Obrigada Júlia!
Eliana
Que texto bem humorado! Divertido sem perder a profundidade. Denso em detalhes, informações e reflexões. Muito visual!
Vaneska
Este comentário foi removido pelo autor.
Você sabia que o gênio era também usado para explicar de onde vinha a inspiracao para escrever ou criar? Dizia-se: que a inspiração vinha de um gênio, um espírito. Este conceito de tornou tão popular que mais tarde passamos a chamar pessoas de criatividade excepcionais de gênios 😊.
Beijos Elaine