Maria Júlia
O vento sopra lá fora…É um som abstrato e fundo. Seu sentido é ser profundo
Fernando Pessoa
– O vento gosta de mexer com pessoas e coisas tirando-as do seu delicado equilíbrio. Um ar em movimento que pode fustigar, incomodar, imobilizar, destruir, impedir a passagem, isolar os corpos, matar.
Por outro lado, sempre esteve disponível para servir de metáforas a obras imortais. Quem não apreciou a bela saga gaúcha de Érico Veríssimo? A narrativa sobrenatural de A sombra do vento? O épico E o vento levou… que conduziu Scarlet O’Hara e Reth Butler pela Guerra da Secessão americana afora? O amor fatídico de Cathy e Redcliff no Morro dos ventos uivantes?
Porém, o vento também é capaz de praticar estranhos feitiços. Lamentavelmente, nem Emily Bronte nem Margaret Mitchell, foram capaz de escrever uma só linha após o sucesso alcançado por estas duas obras. O vendaval literário imobilizou-as para sempre.
– Outro dia, daqui da varanda, observei que a minha árvore andava bastante irritada e agitada, movendo-se de cá para lá, indecisa, não parando quieta, lançando, tádinha, todos seus galhos para o alto como um pedido de socorro. É que ela nasceu e cresceu nos Países Baixos, lugar que costumo chamar de “temperamental”, isto é, sujeito a súbitas variações climáticas, nem sempre ditosas. Desde os séculos XII e XIII, a população tem travado uma luta ferrenha contra as águas. Certa vez, nos meados do século passado, uma grande maré, acompanhada de tempestades violentas, empurrou as ondas por cima dos diques, abrindo, repentinamente, inúmeras brechas e causando inundação de proporções catastróficas. No entanto, o país é conhecido pelo seu belo céu azul pastel de luminosidade especial, pelas nuvens graciosas de contornos variados de nomes inspirados nas formas. Tem água, muita água, rios, riachos, lagos refletindo um lindo sol tímido, a vegetação verde musgo, onde um colorido poético e suave foi o cenário perfeito para Rembrandt e tantos outros. E tem um céu que parece tocar o chão. “Um céu tão baixo que chega à humildade”, um céu tão cinza que é preciso perdoá-lo’, nos dizeres poéticos do cancioneiro Jacques Brel.
Dentro em breve minha árvore vai se desvencilhar da roupagem verde água e se cobrir de folhas outonais vermelho- cobre para depois enfrentar, calva e escura, mais um inverno da sua vida,. Mas hoje ela se aquietou. Está alegre, imponente, apaziguada. Quando eu voltar da minha longa viagem, já a verei mais feliz, exibindo seus galhos em flor. É o Tempo e o Vento de todos nós.
* Caymmi: Vamos chamar o vento https://www.youtube.com/watch?v=RJWPjpFnCZ0
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