
Erro de senha e meu acesso à conta é bloqueado. Várias agências fechadas, a Covid dificultando tudo, marcam um encontro de imagem, um Zoom com uma atendente do banco. Ela, no frescor dos seus 28 aninhos, calculo, fala rápido, com o autofalante, é prolixa, se perde em explicações sobre o que não vêm ao caso. Tem uma voz esganiçada e nada existe de mais irritante do que vozes assim. Preciso ter cuidado com isso. Ela não tem culpa, a gente sabe que a voz tem a ver com características herdadas e ambiente vivido. Voz de falar, voz de cantar, a voz de cantada. De repente, me vem à mente a vida esquizofrênica que eu levava.
Durante um ano, cheguei a frequentar uma faculdade de patricinhas, “espera marido”, com vozes baixas, delicadas, de uma suavidade suspeita, construída que me carregavam para o universo desconhecido das mocinhas de Ipanema e Leblon. Eu morava com meus pais em Botafogo, na época não esperava um marido, queria mais era viajar a esmo, mas isso não vem muito ao caso. Logo em seguida, o banco me envia uma mensagem com desculpas pela inexperiência (e pela voz) da moça; eu caio em mim.
Levo em conta de que tudo ainda está muito fora de ordem, que estivemos/ estamos de cara a cara com a finitude, as poucas certezas se esvaindo, as pessoas queridas partindo. Talvez seja preciso construir um olhar mais alerta e generoso ao nosso redor. Ouvir mais, falar menos, prestar atenção ao alheio, ao outro, interiorizar o nosso parco verniz civilizatório. Pois, quer queira, quer não, todos nós ficamos mais delicados, melindrosos e irritáveis.
3 Comments
“…prestar atenção ao alheio, ao outro, interiorizar o nosso parco verniz civilizatório”. Está passagem deveria ser escrita em fogo sobre a madeira dura de nossas consciências e atitudes atuais.
Adoro seus contos/crônicas em que somos guiados pela memória, pelos lugares imprevisíveis do nosso passado que nos trazem de volta ao presente e a contemplar o futuro. Muito bom!
Tem toda razão. Estamos todos no limite. Nós perdemos em irritações que não teriam o menos fundamento há 1 ano e meio atrás. Diante de tudo, nos resta espernear como criança na hora que a brincadeira termina.