Um buraco não se fecha e por isso mesmo é um buraco, seu destino é estar sempre aberto. Esse buraco ferida aberta com as bordas cicatrizadas marcando sua abertura que não fecha. Um buraco às vezes raso de tão banal, às vezes fundo também tão banal. Nesse buraco ouve-se uma voz perguntar por quê, por quê. Talvez a repetição seja um eco, talvez seja insistência. Insistir no buraco é aparentemente mais fácil que desistir dele. A ilusão de que há uma tampa para o buraco como se fosse um poço, como se não fosse um buraco. Um buraco que não se fecha e uma sensação de que preciso ir fundo sem chegar ao fundo. Um buraco sem tampa e sem fundo, onde estou a cair como Alice caiu, procurando aquilo que não quero encontrar.
Você também tem um buraco? Certamente tem, me conta sobre o seu buraco.
Meu buraco são nós que não se desatam porque se se desatassem não seriam um nó.
Então seu nó parece o meu buraco, coisas que só podem ser o que são, se não seriam outra coisa.
Não somos todos aquilo que somos se não seríamos outra coisa?
Onde fica seu nó
Na cabeça
Onde fica seu buraco
No peito
Tento tampar o buraco preenchendo a minha vagina e nem isso
Tento pentear os nós e nem isso
Desatar o nó produz outros nós e nem isso
Um dia o buraco deu um tempo de ser buraco e
quem sou eu sem o buraco
Foi justamente aí que comecei a contar às pessoas que eu tinha um buraco, um buraco enorme no peito, não dava pra ver?
Certamente você desconfiava, você com o nó na cabeça ou você com seu buraco escondido ou você que nem sabe se tem buraco, nó ou qualquer coisa que só pode ser o que é e que você tem, mesmo que não conte pra ninguém, nem pra si, nem pro próprio buraco ou nó.
Eu contava pras pessoas sobre o buraco e ele parecia ficar pequeno, então eu voltava e abria ele com as mãos porque afinal quem sou eu sem o buraco
coisas que o buraco não é:
eu
uma cruz
um poço
uma luz
uma fenda por onde se possa cair irremediavelmente
coisas que o buraco às vezes é:
escuro e translúcido como uma água-viva no mais profundo oceano, à deriva flutuando e por vezes queimando quando encosta e você tem aquela rara sensação de rir e chorar ao mesmo tempo
e
nem
isso
5 Comments
O Conteúdo? Me tira o fôlego. Onde está o meu buraco? O que resta de mim sem meu buraco? O que ele é ou não é? Genial é o adjetivo que me vem a mente.
E o que dizer da forma? Moderno demais, ousado demais. Amei a liberdade das formas do texto e pretendo aprender muito com ele a ser mais livre também.
Sim, é um buraco eterno, aleatório, sem tampa (gostei disso) que não podemos fechar. Vai, volta, some, reaparece, às vezes demora a desaparecer. Muito bom. Você e a Eliana partiram do concreto, de objetos, de insetos, na produção de textos interessantes e originais.
Que lindo! Uma água viva num água limpa e escura que queima! Que precisão preciosa!
Ao falar sobre o buraco que há dentro da gente, um buraco “escuro e translúcido como uma água-viva no mais profundo oceano”, você nos leva a pensar na angústia e na vertigem que há em viver. Buraco que se esconde no não sentir. Você nos fez levantar o véu com o qual tentamos cobri-lo. Texto poesia, texto reflexão.
Mais uma vez percebo, com honra e orgulho, um diálogo entre nossos textos.
Também fico feliz com esse diálogo proposital e não proposital ao mesmo tempo, Eliana. Acredito que nossos textos falem, e o das outras rodopiantes também, dessa dualidade entre o muito sentir e um vazio ou plenitude de uma existência com muitas perguntas e poucas respostas para quem se aventura em sentir.