Maria Júlia
Povoado de babados azuis, sianinhas, plissados, confeccionado pela minha querida madrinha, o vestido era de organdi rosa e me fazia parecer um pudim de romã ou um bolo confeitado para festa junina. Nada tinha a ver comigo. Aos dez anos de idade, eu achava que merecia algo menos infantil. Mas não ousei rejeitá-lo e com ele compareci, toda emperiquitada de sapatos e bolsas cor de rosa, ao casamento de uma prima.
Creio que foi a partir daí que passei a desdenhar o costume de vestirem as meninas de cor de rosa, bem como certas imposições da moda que, nos vêm, em geral, dos grands couturiers. À propósito, implico também com a profissão de modelo, com a prescrita anorexia das moças, as caras, caretas e bocas que ostentam na passarela. Existirá algo mais artificial?
Eu admirava, isso sim, os vestidos das minhas tias, feitos pelas costureiras que iam lá em casa medir, provar, opinar. Lindos godês, cinturas definidas, golas grandes , mangas curtas, estampados delicados, com ou sem pregas, um pouco abaixo do joelho, elegantes e refinados, apesar da simplicidade, de linho, cambraia, seda, algodão e tecidos nobres. Gostava dos modelos frente – única e dos tomara que caia, admirava os de bolero- lero-lero*, sempre muito adequados ao verão carioca. Queria crescer para poder usar tudo aquilo e mais alguma coisa. Assim é que, da coleção memorável de vestidos que passaram pelo meu armário, meu cotidiano e minha imaginação, selecionei, por ordem cronológica, três dos mais inesquecíveis:
1-O tafetá de alcinhas de cintura marcada com uma roda bonita que saiu voando do armário para o meu corpo ainda esbelto e jovem, e me carregou com euforia ao baile da High School americana. Como de praxe, tive que pregar na alça a camélia grande, branca e desajeitada, trazida pelo date que me convidara para a festa e que por coincidência tinha as mesmas características da flor. O vestido era lindo, muito rubro na sua vermelhidão e preenchia todas as fantasias que uma menina de 17 anos poderia ter a respeito do mesmo, fazendo-me sentir mais velha, adulta, madura, fatal. Infelizmente, o date não conseguiu acompanhá-lo tendo sido totalmente eclipsado pelo mesmo no decorrer da noite.
2- O de algodão de cor verde piscina, uns quatro anos mais velho que o vermelho, mas de igual feminilidade, de alcinhas roloté (creio que assim se chamava), rodadinho, me transformou em uma estudante descolada, alegre, extrovertida. Enfim, era um vestido avesso a tudo o que eu era, e me proporcionou muitos momentos de alegria, alguns elogios e com o seu apoio cheguei a arranjar um namorado na noite da estreia(do vestido, quero dizer).
3- A dileta saia de godê discreto, de malha quadriculada em preto e branco, parecendo um elegante jogo de damas, fez convênio com minhas botas pretas de cano longo, me dando um aspecto parisiense. Usei e abusei da peça no meu primeiro inverno europeu. Sentia-me moderna, elegante, chique e inserida no contexto. Mas no fundo, sabia que era uma infiltrada.
E depois, vieram muitos e muitos outros de vários tamanhos, cores, feitios, seguindo a ciranda do consumo da moda onde, mal ou bem nós queremos estar dentro. E onde (nunca é demais frisar), os homens põem e as mulheres -nem sempre- dispõem.
P.S. * em homenagem à minha tia, aqui vai o bolero de Caymmi para vocês usarem. www.youtube.com/watch?v=jL9756F2Bus
Um casaco bordô, um vestido de veludo, pra você usar
Um vestido de bolero, lero, lero, lero, já mandei comprar
Se o casaco for vermelho, todo mundo vai usar
Saia verde, azul e branco, todo mundo vai usar
Apesar dessa mistura, todo mundo vai gostar
É que debaixo do bolero, tem você, Iaiá!
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