
A viagem surgiu do desejo de estreitar, em mais um aperto, o eixo no qual girava para não se perder de vez. Não sentia necessidade de convívio, curiosidade ou pressa. Algo arrebentara nele.
Antes, ao viajar, percorria o máximo de lugares, conhecia tipos variados e estranhos de pessoas, corria o mundo na tentativa de encontrar alguém que não sendo ele, seria como ele, um duplo, a confirmar sensações e expectativas.
Naquele instante estava em um país estrangeiro e não se importava. Poderia estar em qualquer lugar. O quarto em que se hospedara, de instalações medianas, parecia vir de uma sucessão de quartos de hotéis enfileirados no tempo. Camas forradas com lençóis sem vinco, abajures em cabeceiras vazadas e TVs em paredes com quadros de cores berrantes, quando não, de reproduções tristes e desbotadas. Sentia-se em um cenário e andava para cima e para baixo no quarto. Nele, o vazio era preenchido por fachos de luz que chegavam de duas janelas em ângulo reto. Eles se cruzavam, um dentro do outro, e pareciam vir de um sol irreal e distante.
Os passos preenchiam o ambiente de um som ritmado. Ele não ouvia. Sua mente encontrava-se longe, ao ar livre, em uma colina de mato rasteiro que se inclinava ao vento.
Aquelas eram imagens irreais de quem nem gostava do campo, mas não abria mão de um refúgio fácil. Como se ele fosse um pintor e pintasse, por encomenda, paisagens clichês por não conseguir criá-las ele mesmo. Caso soubesse, abriria a porta e sairia. Nem precisaria andar para frente e em linha reta. Bastaria vaguear e voltar por sobre os próprios passos, Sim, em segurança.
Essa ideia pareceu-lhe confortável. Fez com que se aproximasse de uma das janelas. Ao encostar a cabeça no vidro, viu um ônibus passar. Dentro dele, sentados, celular na mão, turistas em busca de novidades e confirmações das belezas e bondades do mundo. Desejou, de repente, se sentir como eles. Sair de dentro de si e abandonar o mutismo em que se encontrava. Talvez sorrir.
Em vez disso, voltou a sentar na beira da cama. Em frente havia um espelho. Ali, diante dele, um duplo invertido, um homem velho que abria a boca devagar, como uma máquina emperrada. Com as duas mãos no rosto, soltou um grito. Não havia som ou desespero. Não havia nada. Talvez um hálito de tristeza a se espalhar mansa e serenamente em um mundo sem contorno e sem graça.
As costas na cama, a boca aberta, a respiração pesada, dormiu. Dali a algumas horas, saberia, haveria de novo um sol e, além, trazido pela luz embaçada, mais um dia. Sem crepúsculo. Sem fim.
4 Comments
Primeiramente, que título! Em segundo, como este é o último texto dessa rodada que leio, vejo como todos os textos lidam muito com viagens internas. E identifico no meu texto e no seu, uma expectativa dos personagens por uma certa normalidade – “Desejou, de repente, se sentir como eles”. De certo modo, faz sentido que o tema “viagem” desperte também sensações íntimas de deslocamento, de não se encaixar. O viajante ou o estrangeiro é aquele que não pertence – seja a um espaço físico, seja a um espaço íntimo.
Amo poesias. Em casa palavra….em cada frase….um encontro comigo.mesma!
Eliana, como de costume, vai fundo nas angústias mais secretas do ser humano!!
Sua narrativa prende, angustia e cria uma empatia por essa figura que parece tentar se sentir feliz naquilo que se convenciona considerar como felicidade. Uma vez uma pessoa disse que ninguém gosta de confessar que não gosta de viajar. É socialmente inadequado. Todos parecem ter que dizer: sim, eu amo viajar!!! Mesmo que o ato represente uma angústia ou que seja decepcionante. No fim, todos que realmente são honestos e gostam de viajar sabem que nem sempre é esse mar de rosas de rostos felizes aflitos pela próxima atração imperdível. Porque na viagem não nos deixamos em casa, vai tudo junto. É sempre uma surpresa como nossos demônios vão interagir com lugares novos.
Uau. Já li pela segunda vez e sigo impactada pela cena. Impactada por como ela faz emergir uma angustia, uma solidão que se materializam e que andam pelo quarto e que gritam, gritos secos e abafados, abafados como nossa alma as vezes. Além disso a estética do texto, as expressões usadas, a imagem da personagem encostando a cabeça na janela e olhando turistas tão felizes. Acho que viagens tem isso ou nos esquecemos da vida, ou nos encontramos como nós mesmos de forma inesperada e as vezes indesejada. Muito forte.Lindo.