Não estava claro para aquele homem o que havia ocorrido e nem o porquê de sua singular situação de único sobrevivente. Embora não pudesse afirmar com precisão a data em que estava, sabia que o ano devia ser o de 2028, pois observava diariamente o movimento das estrelas e do sol na tentativa de antever fenômenos naturais e manter-se vivo. Em suas contas haviam se passado cinco anos e ele teria então 44 anos de idade.
Suas companhias eram agora os insetos, as baratas e os ratos, vistos passando cobertos pelo pó cinza claro que impregnava todas as coisas. Ratos que, além da companhia, lhe possibilitavam não morrer de fome. Para caçá-los fazia à noite armadilhas com gravetos e pedras colocadas de modo que caíssem e lhes esmagassem os corpos. Bastava no dia seguinte voltar ao local, pegar a presa e fazer o almoço. A água recolhida da chuva lhe garantia não morrer de sede.
Como a sobrevivência física estava garantida, mesmo que precariamente, Ismael acabou desistindo de buscar explicação para aquela situação bizarra em que se encontrava. Homem de poucos arrojos, tinha passado sua existência sem desejos de fama ou fortuna. Viver simplesmente bastava e de alguma forma isso se confirmava em seu mundo anterior.
A necessidade de decidir entre ir procurar respostas e outros sobreviventes ou ficar em sua atual condição não chegava a ser um dilema. Subsistia nele uma esperança de que tudo não passasse de um pesadelo e que acordaria novamente no sofá de sua sala ou na saleta de seu escritório, mesmo que a passagem dos anos o desmentisse e a razão apontasse para aceitar seu destino. Assim, quando uma dúvida qualquer chegava, ele balançava a cabeça e, pensando no absurdo da situação, escolhia a própria lógica de seguir em frente até o dia em que tudo aquilo acabasse.
Começara também a falar sozinho, não só para aclarar as ideias, mas porque o som da própria voz lhe trazia conforto e segurança. E conforto era algo do qual sentia falta. A ponto de ter sonhado, ao ver um porco do mato passando ao longe, que o tinha comido assado usando pratos e talheres em uma mesa com toalha limpa e cheirosa.
Já acordado, usou todas as forças para executar a tarefa de caçá-lo, sabendo de antemão que precisaria de um artefato mais elaborado do que aquele que construíra para pegar ratos. Procurou mais uma vez se valer de algum filme antigo, lembrando de um personagem que fazia armadilhas em buracos cobertos com palhas para caçar animais na selva. Fez seu plano, escolheu os locais e neles cavou buracos profundos. Terminado o trabalho, voltou ao abrigo ao anoitecer para dormir.
Na manhã seguinte caiu uma chuva torrencial. O que veio a calhar, uma vez que as provisões de água estavam se esgotando. Retornou dois dias depois, caminhando a metade do dia para encontrar uma de suas armadilhas.
Ao se aproximar diminuiu o passo e rastejou para expiar a beirada. Surpreso, viu que no buraco havia uma pessoa caída. Pulou imediatamente para dentro, ajoelhando-se e inclinando-se sobre o corpo para virá-lo de frente. Com cuidado tirou a lama que cobria o rosto, que para seu espanto, era conhecido. Chamou carinhosamente: “Mia, acorda; meu amor, sou eu Ismael”.
Como não houvesse resposta, pegou a mão da mulher e apertou com força; sacudiu seu corpo devagar; chacoalhou para frente e para traz. Nada.
Alucinado, deu um salto e passou a correr. Correu muito até chegar a um precipício onde se jogou, caindo num lamaçal imundo, escorregadio e pegajoso. Dele conseguiu sair para voltar ao abrigo, levando consigo unicamente o peso de ter sobrevivido.
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