O mês começa influenciado pela Lua Cheia em Capricórnio, que chega unida em ótimo aspecto com Plutão, indicando grandes mudanças e transformações.
Ela entrou novamente naquela fase de pintar as unhas todos os dias. Maus presságios. Unhas vermelhas num dia, rosas no outro e então uma mal acabada francesinha. Isso sempre significava a mesma coisa: tudo precisava mudar.
Foi assim aos 15, repetiu-se aos 26. Foi só lá pelos 32 que aprendeu a fazer as malditas francesinhas. Agora aos 47 colecionava tons de nude compulsivamente.
A vida era um tédio. Os filhos estavam longe. O dinheiro era pouco, o afeto era pouco. A paixão era uma dúvida e sempre perda de tempo.
Leu, anotado em seus alfarrábios, o aforismo de Arthur Schopenhauer: “Os primeiros quarenta anos de vida dão-nos o texto, os trinta seguintes, o comentário.” Seu texto não estava completo, estava longe disso. O filósofo, porém, a sentenciara ao fim. Seu texto, na verdade um mal elaborado rascunho, só estaria agora sujeito a comentários. Nada de novo a ser feito. Nada de mudanças. Pintou as unhas de vermelho.
Ainda em angústia mandou Schopenhauer às favas. Pessimistazinho dos infernos.
Quando a filosofia não mais a acudia e os vidros coloridos enfileiravam-se sobre o criado-mudo, apelava para o que não conseguia provar. Horóscopos eram um alento: a nona semana do ano promete o encerramento de um ciclo de sua vida. O amor e as realizações materiais estão em alta, mas o período pede bom senso na hora de tomar decisões importantes. Tudo daria certo, dizia a previsão na página do jornal na internet. Bastava bom senso.
Bom senso era coisa em que ela nunca foi boa. Quer dizer, era boa na teoria, não na prática. Na prática continuava lendo horóscopos simultaneamente até construir a previsão perfeita, fruto da composição de todos aqueles recortes. Desprezava previsões contrárias às suas intenções. Na prática ela não sabia mesmo agir para mudar.
A crise, porém, agora era de tal monta que não havia tons de nude suficientes a aplacá-la, ou previsões astrológicas que a aquietassem. Era uma crise com mais urgência que as demais. Era quase desespero. Era a um passo do desespero.
Mais que mudar, ela queria garantias de que isso era possível. Na verdade as mudanças nem eram o foco de sua angústia. Como nunca acreditou muito em si mesma, queria sinais astrais, do universo, do oculto, de forças superiores. Queria continuar a ter a esperança agora usurpada. O Deus cristão não falava com ela.
Marcou consulta com a cartomante, de quem havia ouvido falar no trabalho. Não contou pra ninguém. Foi sozinha, desesperadamente esperançosa.
As cartas não a amaldiçoaram como Schopenhauer. As cartas previram um tempo de provações e coragem e a aconselharam a pesar na balança o que seria o melhor para sua vida. Cartas dos infernos. Saiu de lá com mais dúvidas e mais angústia. Ela não tinha coragem, nem bom senso para escolhas. Ela tinha esmaltes e medo. Um medo enorme de não ter no que acreditar.
Olhou para as unhas e viu somente suas mãos. De súbito lhe ocorreu que talvez o futuro estivesse, de fato, ali.
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