Angela Fleury
Há um silêncio no ar. Por toda parte, um silêncio que parece encarnar o espírito contemporâneo. Um sentimento de ruína, de fragmentação, de dúvida. Um sentimento de passagem, só não sei de onde para onde. Não há mais transmissões de experiências, estou sozinha, lendo um romance, no sofá da minha sala de estar.
Indivíduo urbano e solitário, impossibilitado de falar sobre a catástrofe. Incapacitado de transmitir ao outro a sua experiência. Atrofia da narrativa, desencontro e afastamento. Sem palavras, muda, assim como os combatentes que voltam do campo de batalha. Estaríamos vivendo o prenúncio de uma grande guerra? Ou ela já passou e nem percebemos?
Não há mais troca de experiências boca a boca. Quem encontra ainda pessoas que saibam contar estórias como elas devem ser contadas? Aonde estão os ouvintes? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração? Quem é ajudado hoje por um provérbio oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência? Walter Benjamin não poderia ser mais atual.
Tudo mudou. Tudo se rompeu. Há um alargamento. A comunicação é à distância e através do desenvolvimento da técnica buscamos o imediato, o neutro, o imparcial, o fácil de ser interpretado e rapidamente apreendido. O que importa é a informação. E, estou cada vez mais solitária, apinhada, no meio da multidão.
Há, entretanto, a todo instante uma ultra convocação dos sentidos que vão sendo aceleradamente requisitados, mas, tudo, ao mesmo tempo, dentro de um silêncio e de uma melancolia. Como sobreviver a esse choque, a essa massa, na aceleração da vida contemporânea? A vida interior sempre teve esse caráter privado? Não sei mais responder a essas e a muitas outras questões do passado. Só sei que sofro, silenciosamente no meio da multidão, um processo privado de interiorização.
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Muito denso o texto/ conseguiu extrair de minha alma, questionamentos ainda submersos, que eu nem sabia que existiam/
Algumas virgulas eu colocaria e outras retiraria/ na última frase do 2o parágrafo, a palavra "muda" ganharia mais força com ajuda da pontuação/ Lidia
Tive que ler e reler seu texto para dar conta de tudo que ele aborda. Muito rico, verdadeiro e elaborado. Muito bem escrito.
Achei interessantíssima a abordagem final do texto, o choque entre a "ultra convocação dos sentidos" (que perfeito isso!) e a melancolia e o silêncio…como sobreviver? É realmente uma questão do nosso tempo.
Eu aprecio o caráter privado da vida interior e acredito que só a arte deve dar-lhe um mínimo de publicidade, mas também não sei se sempre foi assim. Parabéns!
Vaneska
O comentário acima e meu, Sonia Andrade. Deveria conter o meu nome. Problemas da tecnologia.
Seu texto, Ângela, tem a ver com o da Vaneska. Só que ele se estende como um retrato de nossa sociedade atual. Mas a solidão é a mesma na presença constante do mundo em nossas vidas e também a mesma vertigem diante de tantas coisas que nos soterram e afastam.
Eliana
Tem sim, Julia, você está certa, tudo a ver com o que estamos passando agora no nosso tão querido país.
quem escreveu ocomentário acima?
M.Julia
Muito bom texto. Além de bem escrito, repleto de verdades contundentes. No programa Globo Repórter da ultima sexta-feira,uma reportagem sobre a Itália mostrarou a iniciativa de um morador para conhecer os vizinhos da sua rua. O projeto bem sucedido se chama Social Street e propõe diversas atividades para os moradores interagirem uns com os outros.Acho que precisamos disso aqui também. Muitas vezes não conhecemos nem os nosso vizinhos de porta no edifício em que moramos. Mas, estamos conectados com um monte de anônimos na internet.Tempos modernos…