
Havia dias em que as letras não lhe fixavam,
As músicas não lhe falavam,
e até de beber água ela esquecia,
preocupada que estava em entender suas tristezas.
Caminhava entre plantas e gatas famintas,
entre gatas e roupas por estender,
entres roupas e comidas por fazer.
Se levantava da cadeira e caminhava até a janela,
numa esperança vã por novidades.
A visão era bela, de um distante,
mar batendo mais forte, mais fraco.
Sustentando céus azuis ou nublados,
desmanchando o sol, emoldurando a lua.
Tudo pleno de poesia,
mas uma poesia que se repetia até virar tédio,
pois as poesias também se cansam de poetizar.
E nesse marasmo repetido,
repetidamente lhe vinha a cabeça:
Como ela queria ser pedra.
Sim – como ela queria ser uma pedra!
Estar solidamente assentada
de frente pro sol, pro mar, pro luar,
sempre respeitando a chuva, o vento, o jogar das ondas.
Espectadora do tempo, caçoando deste a pressa,
desdenhando da sua inexorabilidade,
rindo dessa palavra difícil,
que pouco importa para quem é pedra.
Ainda que a destruição possa se dar aos poucos,
Não no tempo, mas no espaço,
nos volumes expostos do corpo pedra.
Mesmo assim, como deve ser bom ser pedra!
Uma pedra nem grande, nem pequena.
Fincada o suficiente pra não deslizar
e poder olhar as nuvens,
e costurar figuras com sentidos momentâneos.
Prever o ziguezague das gotas de água
nas ranhuras de suas veias de pedra.
Somente uma pedra pode ver
o rasgar da tarde pela lua,
e o cintilar da areia,
Somente uma pedra pode ouvir o farfalhar das folhas,
e reconhecer a chuva, não por sua intensidade,
mas pela elegância de seu cair.
Somente uma pedra diferencia
a musseline de uma névoa do veludo da nevasca,
o tule da neblina da renda do orvalho.
Sim, ela deveria ser pedra!
E foi assim, nessa divagação
que ela saiu e comprou uma máquina de costura.
5 Comments
O embolado do dia, com suas coisas, afazeres e melancolia, alinhavado com a ideia de ser pedra. Da pedra surge o feitiço. Costurar. No costurar o juntar de peças, do tempo, do tédio, da tristeza e da dor. Pronto. Do enfrentar a dureza da vida confecciona-se a poesia.
Costurando palavras e sensações a partir da pedra.
A partir da pedra, ver e sentir o mundo através de sua perspectiva e nela obter coragem e ânimo para costurar novas possibilidades poéticas e de existência.
Meu primeiro texto aqui na Roda foi sobre pedra também: http://www.rodadeescrevinhadoras.com/geologia-2/
Seu poema costura pedra com linha. Nos conduz numa série de reflexões que parecem que nunca serão arrematadas, mas o são, lindamente: bainha e chuleio.
Bela, impávida, resiliente, também me deu vontade de ser uma pedra que só com muito tempo a água mole fura!
Júlia
Amei ser essa pedra vestida de rendas e musseline. Deliciosas texturas para uma vida que na aparência é dura, mas de fato é cerdada de poesia. Se essa pedra tivesse olhos, diria que brilham em cada ruptura e manifestação da natureza. Lindas imagens, Dora!