
A luz da manhã entra pela janela e cai direto nos olhos de Francisca. Ela desperta e imediatamente se volta para o lado. O lençol no chão e a cama vazia não a surpreendem.
Na mesinha do canto um relógio mudo a faz levantar num salto. Prende o cabelo em coque e coloca no corpo franzino o vestido azul claro, procurando disfarçar uma ponta desfeita. Sente uma ligeira tonteira e mais uma vez jura que amanhã irá ao médico. Precisaria, claro, pedir uma folga à Dona Míriam, que fará cara de pena com um Sinto muito, seguido de um, Logo amanhã!?. Afasta o pensamento, afinal não quer ser ingrata com a patroa.
Toma café, desce as ruas estreitas e chega ao asfalto. Para na banca perto do ponto, lê as notícias que balançam em jornais desajeitados. Atravessa a rua, dá sinal para o ônibus e se espreme entre os passageiros. Desce, corre e pega o elevador de serviço, 9 e 15 Meu Deus!.
Retorna à noitinha. A casa está em silêncio e às escuras. Francisca anda devagar pela sala com o coração aos pulos lembrando o que escutou na rua, Tanto assalto por aí. Prepara uma refeição para dois e espera. Adormece. Acorda já muito tarde. Ajoelha em frente à imagem de Nossa Senhora e reza.
De pé, os olhos fixos na porta, lembra da noite anterior. Jonas chegou tarde e foi logo se desculpando por ter ficado na esquina com os amigos. Falava alto, contava coisas, se apressando em dizer que estava tudo bem. De um impulso a suspendeu nos braços e disse, Olha mãe, olha o que eu trouxe para você!, e espalhou na mesa uma pulseira, um relógio e uma bolsa com um terço dentro. Francisca, sem saber o que dizer, chorou, enquanto passava a mão no cabelo descolorido e cortado rente de seu menino. Quis pegá-lo no colo. Desistiu e o segurou num abraço forte. Depois, balançando juntos, cantou uma canção de ninar e ouviu dele baixinho, Não se preocupa, mãe, estou aqui, vou te proteger.
Pela manhã um galo cantou longe. Francisca acorda e vê a cama ainda vazia. Fez o que faz todos os dias e desceu o morro para esperar o ônibus. Distraída, olhou a banca de jornal. Na manchete uma foto borrada e as iniciais J.S.F. Em volta, conhecidos comentam e se desesperam. Francisca se aproxima, apertando os olhos.
Um grito e sob os pés o chão se abriu.
Tonta, sai cambaleante em direção à rua. Um carro buzina alto e de dentro um motorista gesticula frenético. Francisca olha para ele e diz, Meu filho! É meu filho!. O homem, olhar esgazeado, berra, Dane-se!, e vai embora cantando pneu.
(Texto com base na música de Chico Buarque, O meu guri,gravada em 1981)
(Texto com base na música de Chico Buarque, O meu guri,gravada em 1981)
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