Era um dia como qualquer outro e muitos não notavam que estávamos fora do eixo. Todos agiam, como sempre inexperientes, acreditando que tínhamos todo o tempo a perder. Não percebiam a inquietação que pulsava no peito, nem mesmo a respiração curta e a insatisfação que insistia em denunciar a desconexão e o desvairamento daqueles tempos. Como surdos insistíamos em não ouvir o descompasso e a desafinação que denunciava a arritmia.
O desarranjo era de tal ordem que de repente tudo foi parado. A desatenção foi longe demais. Nem mais um passo. Fique aonde está, não se mexa, não há mais como levar adiante tanto desvario. O desalinho foi tanto que não tem mais como ir, nem como voltar, se você foi terá que ficar aonde está, se não foi, tarde demais, não há mais como ir. Os caminhos estão agora todos bloqueados, não há como seguir em frente e muito menos como voltar atrás. As fronteiras estão fechadas, entenda, é momento de parar exatamente aonde você está. Não há mais tempo nem espaço para corrigir a rota.
É necessário ter sabedoria para esse tempo de crise, estamos todos atados ao que construímos até aqui. Trancados nas consequências de nossas ações, aprisionados naquilo que fizemos de nossa existência. Não há mais como mudar, pelo menos por enquanto estamos reféns de nossas próprias vidas e de tudo que plantamos até aqui. Teremos que desfazer e refazer os nós que criamos. Como? Você mesmo terá que descobrir.
Mas, afinal, todos os tempos não são tempos de crise? A vida é uma eterna crise, nada de novo, a incerteza é a única certeza, mas, desta vez a discordância parecia mais séria, afinal é a grande crise do nosso tempo. Mas não era, estamos diante de só mais uma crise, das muitas que já existiram e das muitas que ainda virão. O universo é um grande fazedor de alterações e colapsos, vivemos na instável dança da pulsação do Yin-Yang, as duas energias opostas, a escuridão-claridade, a vida-morte…
Mas, na diminuição forçada do ritmo ficou mais fácil refletir e ver que muito desassossego já estava no ar e agora isolados, muitos podiam ver com mais clareza. Há muito tempo já havia essa sensação de trancamento, a natureza esquecida, os poderosos oprimindo e excluindo, os animais sendo moídos e comidos, as florestas desaparecendo e os humanos surdos para todo esse barulho desvairado.
Muitos acreditam que estamos no alvorecer de uma nova era e que podemos levantar e construir uma transição para uma natureza livre, a construção de novos organismos de sustentabilidade e de diversidade dos seres numa visão mais ampla. Muitos acreditam que, nessa parada podemos recomeçar e pensar “o hoje” como um “novo zero”.
O que pode, então, o humano que tem discernimento, senão parar e escutar com mais atenção a inescapável dança da pulsação do universo?
4 Comments
Chamamento à reflexão e à necessidade de paciência e resiliência. Afinal, estamos todos na mesma nave Terra. Mesmo que não seja um reset, o momento atual provoca sacudidas das boas.
Para aqueles que podem, é realmente um momento único para parar e escutar o universo. Alguns recomeços serão possíveis, muitos, acredito, acontecerão na esfera pessoal e espero que eles reverberem na nossa coletividade.
Gostaria de ser mais otinista sobre o novo zero, mas não sei se ele será assim tão novo. Há vícios no sistema difíceis de curar.
Falou, é isso aí. Assim somos( estamos) nós. “Mas, afinal, todos os tempos não são tempos de crise? A vida é uma eterna crise, nada de novo, a incerteza é a única certeza, mas, desta vez a discordância parecia mais séria, afinal é a grande crise do nosso tempo. Mas não era, estamos diante de só mais uma crise, das muitas que já existiram e das muitas que ainda virão.”
Você voltou em plena forma e morando cada vez mais na filosofia, Angela!
Júlia