
Era uma vez uma seriema que queria voar alto como um urubutinga. Resolveu correr atrás desse sonho e decidiu que o melhor local para realizá-lo seria chegar ao topo do grande morro no meio da serra. De lá de cima, poderia dar um pulo e voar grandes alturas que nem o temido gavião-preto. Era isso. Não lhe importava mais que soubesse correr como nenhuma outra ave conseguia, chegando a 50 quilômetros por hora, ou que seu cantar fosse como uma risada e um choro ao mesmo tempo, algo que encantava e inspirava as canções dos sertanejos. A Seriema queria mesmo é voar bem acima do chão, pra bem longe, quem sabe fosse até o mar, que só conhecia de ouvir falar.
Ela morava numa capoeira, um mato roçado aos pés da floresta, e por esse descampado se foi a Seriema dando pequenas corridinhas, pra não se cansar muito logo no início da jornada.
Um pouco antes de chegar na floresta, esbarrou num Inhambu-xintã que piava, piava e piava. “Como essa ave é boa de papo”, pensou. Perguntou-lhe, então, qual o melhor caminho para chegar no topo do morro. O Inhambu-xintã respondeu que não conhecia muito a mata, mas que todos os animais iam pro outro lado do morro, lá perto de um poço conhecido como Toca da Onça. “E lá tem onça?”, perguntou assustada a Seriema. “O que você acha?”, respondeu, com mal-humor, o Inhambu-xintã. Achando que esse bicho não era assim tão bom de papo quanto parecia e que para realizar seu sonho tudo valia a pena, literalmente, a Seriema resolveu contornar toda a floresta até chegar ao poço, de onde deveria começar a subir o morro.
No temido poço, não viu onça nenhuma, só um Jabuti tocando uma gaitinha. “Como esse bicho é sabido, sabe tocar um instrumento e nem tem medo de virar janta de onça”, concluiu a Seriema. Então, a ave, que não tinha vergonha de pedir indicações, abaixou a cabeça com sua linda crista emplumada e perguntou bem pertinho dos ouvidos do jabuti qual era o melhor caminho para chegar no topo do morro. O Jabuti, impressionado com tão lindo penacho, disse cheio de propriedade e sem titubear: “Passe aquele jequitibá e pegue a Trilha do Caçador”. “E lá tem caçador?”, perguntou a Seriema de pernocas trêmulas. “Eu nunca subi, gosto mesmo é de viver aqui na boca do mato”. Achando que o Jabuti, apesar de sábio e talentoso, era meio acomodado, e que hoje era o dia da caça e não do caçador, a Seriema deu um tchauzinho serelepe, provocando o pequeno coração do Jabuti, e lá se foi com suas corridinhas trilha acima.
Subiu por aqui, subiu por ali, saltitou de uma pedra a outra e, como não via caçador nenhum, pensou que esse era o seu dia de sorte e, portanto, o dia perfeito para voar – voar longe e bem alto que nem o urubutinga. Continuou pelo caminho a fora, correu por uma clareira, deu um salto, voou um pouquinho e chegou no topo do morro.
Opa! Não era só a Seriema que achava aquele topo de morro e aquele dia bons pra um voo, também o Urubutinga era dessa opinião. Rodeado por um vale, no meio da floresta mais verde, no topo mais alto do morro mais alto, lá estava seu ídolo. Nessa hora a Seriema se deu conta de que não era com um caçador homem que devia se preocupar e sim com o gavião-preto, conhecido por gostar de um pescocinho de seriema e de uma asinha e uma coxinha também. A Seriema, que não era um mero pedaço de carne, tinha lá seus conflitos como qualquer outra ave, e era assim que ao mesmo tempo temia e adorava aquele grande pássaro.
Não se dando por vencida, certa e destemida como só a crença em um sonho nos faz, a Seriema perguntou ao Urubutinga pra que lado era o mar, pra onde o voo seria mais bonito. “Siga toda vida por entre aquelas encostas, conhecidas como o Vale da Morte, que você dará numa grande baía, ali já é o mar”, disse o Urubutinga . Sentindo-se muito agradecida e cheia de esperança, a Seriema se preparou, acelerou os passos e saltou.
4 Comments
Era uma vez uma Siriema. Ela desafiou a sorte e a razão. Desafiou a irrealidade das palavras e chegou ao nó que prende a finitude à vida. É vida, sempre a vida, afinal, a mover o mundo e as criaturas. Feito fé. Era uma vez uma Siriema. Simples, assim. E complexo.
Que seriema mais querida! Segui por ela todo o caminho. Acho que ainda estou por lá procurando por ela desvendando os céus sobre o mar. Linda essa fábula. Lindas imagens poéticas desses caminhos que são os nossos caminhos em torno do que nos mobiliza, em torno da nossa fé.
Bonita viagenzinha voadora pelas capoeiras, matos, entre pássaros, morros, florestas, temores,amores e sonhos!.
Fazendo rima com o texto da Eliana, fé e movimento andam juntos.
Adorei conhecer os pássaros e percorrer com a seriema o caminho até o topo. Até senti a brisa sacudindo a copa das árvores.