
No dia em que o conheci, em reunião na casa de um amigo, ele pegou em minha mão e a examinou como quem entendesse de destinos e mulheres. Perguntou, Posso?, a voz tão suave e decidida, que um Sim escorreu, mesmo sem convicção. Antes que eu mudasse de ideia, um dedo magro e firme pousou na mão aberta e percorreu com um toque leve e demorado a linha mais longa, aquela que começa entre o indicador e o polegar e finda na curva na lateral do pulso. Uma sensação agradável se espalhou pelo corpo e, por reflexo, fechei os olhos.
O enigmático homem continuou, em silêncio, a explorar a palma da mão, que se tornara agora úmida e escorregadia, escancarando meu desconforto. Já, ele, vez ou outra, levantava os olhos e os fixava no meio de minha testa, como se desejasse transmitir, por ondas mentais, as mensagens escondidas nos sulcos das mãos. Passados alguns minutos, o homem parou e aguardou, com ar teatral, o efeito que seus gestos provocavam em mim. Como a resposta foi um rosto atrapalhado, o profeta proferiu em voz sibilante visões fatalísticas a respeito de minha vida.
Confesso que não lembro de quase nada do que foi decifrado e descrito por ele. Restaram-me impressões gerais. Havia, parece, uma existência como rainha ou princesa em algum reino ou império distante. Com clareza, lembro, sim, do semblante sério e da destreza dos movimentos. Esses eram, certamente, de quem já havia executado várias e várias vezes aquela sessão divinatória.
Fosse como fosse, a galhofa e o sarcasmo, sempre prontos a aparecerem em momentos de constrangimento e insegurança, não vieram em meu socorro. De mim somente sobreveio a surpresa pela complacência da mão frouxa que, tomada de assalto, aceitava ser manipulada ao bel prazer do prestidigitador. Este, incentivado pela cara aparvalhada de quem calava e consentia, tomou-me os ombros e iniciou uma massagem em meio a um palavrório sobre músculos, ansiedade, vidas passadas e mundos paralelos. Tudo isso embrulhado em versos onde se rimava felicidade com bondade, paixão com coração e amor com dor.
Se escapei do transe, foi porque me machucaram os ouvidos a pobreza dos clichês.
Nada que me vanglorie. O profeta soube usar magia, poesia e ciência para ludibriar, sem esforço, uma mulher carente como eu. Mas não houve tempo para lamentar o meu descaso. Logo uma legião de pessoas, para quem o som saído de sua boca era música, veio a implorar, com fervor, os seus dons premonitórios.
Foi assim que descobri que felicidade se vende e, às vezes, até se compra. De graça. Basta apenas acreditar em quem, em terra de ninguém, aspire ser divindade. Nesse mundãodemeudeus, difícil mesmo é contentar-se em ser um simples humano e não seguir, seja lá quem for, por busca de verdades.
Se escrevo tolices, nessa história sobre um profeta que enganou a quem quis se enganar, asseguro, não aspiro a um halo sagrado. Gosto mesmo é de expor uns causos e deixar na dúvida quem os escutou. Se há um monte de mentiras, ou um pouco de sinceridade, se eu própria me engano ou fico a enganar, é trama para se contar mais tarde.
2 Comments
Como não resistir à magia, ciência, poesia de quem afirma que outrora já fomos princesas (em geral egípcias)?
Adorei teu relato e seu desconforto escancarado, de uma cena teatral tão brasileira.
Nunca deixo de consultar profetas e profetisas, de preferência que não estão na moda , na idas ao Rio.
Pois se até Machado de Assis entrou numa cartomante!
Lembrou-me a cena do filme Before Sunrise em que o casal apaixonada é abordado por uma cigana misteriosa. A moça se encanta e entra na brincadeira adivinhatória. O rapaz faz pouco caso, diz que a cigana só disse o que a moça queria ouvir. E ali ficou o mistério no ar.