E ela preferia o tempo das côdeas de Bernardo Soares,
não ter cortado o pão,
o cheiro de casca e trigo.
As formas que via,
não a distinção,
da armadura, da alma dura.
As inverossimilhanças
a garantir longevidade ao afeto da pele,
às certezas figadais.
Preferia quando era outro
lentes desajustadas,
a falta de foco, o excesso de fogo, o archote.
As ideias
constantemente fraudadas,
ao espanto de conhecer.
Preferia quando era um mal-entendido
a esse tempo em que é apenas
um mau, entendido.
Citações não literais de Bernardo de Campos (ombros encolhidos); Fernando Pessoa (2 tema)
4 Comments
… eu preferia…as inverossimilhanças… eu preferia as lentes desajustadas… eu preferia o espanto… eu preferia o mal-entendido…
Que delícia você trazer em poema o prazer do incerto… da dúvida… da falta de foco… da perplexidade…
Que delícia Vaneska escrevendo poesia. Amei.
Viajei no tempo com as palavras usadas no poema e vivi sua sinestesia. Imaginei cheiro, gosto, toque na pele e falta de foco. Amei a expressão “certezas figadais”. Nunca tinha ouvido. É muito mais bonita e certeira do que se usar certeza profunda ou visceral.
Vaneska está arteira e leve fazendo poesia com a carcassa do pão- já que ninguém mais está podendo comer brioches ou croissants- com suas ideias não fraudadas e as lentes bem ajustadas, nesta época de tantos males pouco entendidos e incertezas fidagais.
Maria Júlia
Que delicia de versos nos resgatando de tanta horizonte cru! Quero também as dúvidas de quem enxerga o mundo com os olhos que moram no miolo do peito!