
Ninguém perguntou a Júpiter
o que ele acha de sua grande mancha vermelha
uma tempestade, anticiclone de alta pressão.
Um redemoinho no meio de si
sempre ali
sem começo, sem fim
em movimento
em companhia
de outras tempestades.
Eu perguntei a Júpiter
o que ele acha de sua grande mancha vermelha
uma tempestade, anticiclone de alta pressão.
“Faz parte de mim
sempre aqui
desde o começo, até o fim
Um movimento em mim
Apenas um torvelinho
como outros na matéria
do meu corpo de puro gás.”
Eu observo Júpiter
cutucar a grande mancha vermelha
com a colherzinha de café
com delicadeza
porque tempestades
fazem o tempo
nebuloso ou luminoso.
Com a lateral da mão,
esfrego a grande mancha vermelha
no retrato que Hubble tirou
como se limpasse detritos
de giz de cera
espalhados no meu plexo solar.
Meus pulmões se enchem
os farelos da grande mancha vermelha
viajam com o vento
para fora do meu corpo.
fonte da imagem: https://www.nasa.gov/content/goddard/what-did-hubble-see-on-your-birthday
6 Comments
Eu senti a mão esfregando a mancha vermelha no meu plexo solar, sem mais.
Um abraço,
Elaine
O poema começa com um diálogo e com uma personagem: Júpiter e termina dentro do eu lírico. Ao final, será que tudo se passava dentro dela? A tempestade, o diálogo, as explosões da mancha vermelha?
O título, “Ninguém perguntou a Júpiter”, já demonstra a que veio a poesia de Carolina. Ela veio para alçarmos voos. A viagem se passa entre o espaço sideral, onde orbitam planetas distantes, e o mundo infinito que há em nós. E “porque tempestades fazem o tempo nebuloso ou luminoso” também nos descobrimos sob os efeitos de sensações, sentimentos e redemoinhos, como envolvidos em gás.
Ao ler o poema, percebemos que, diante da vastidão espacial, nossa pequenez física não é nada quando confrontada com outra vastidão, a capacidade humana de imaginar e criar. Ela nos agiganta.
Nessa passagem, “Com a lateral da mão, esfrego a grande mancha vermelha (de Júpiter)”, está a prova. A lógica se inverte e transforma com o toque da arte. A arte delicada e sensível de Carolina.
Mancha metafórica vermelha dentro da gente; as tempestades e nebulosas da mente, nem sempre sana, que turvam a existência, impedem o entendimento de nós, seres irracionais e inconsequentes, metidos a sapiens!.
Analogia interesaante. Essa mancha vermelha no meio do corpo, cheia de tempestades e ar! Bonito como nós e um planeta podemos ser tão semelhantes.
Aliás, notei que a foto de Júpiter lembra muito uma imagem de pele no microscópio, com suas camadas e erupções!
Carolina, eu li em um fôlego só! depois reli já sabendo que Jupter estava ali, protagonista de tua curiosidade e de uma sutil capacidade de nos provocar com uma narrativa fantástica, mas que nos fala muito sobre nossa forma de ver a vida, sobre nossos farelos que viajam com o vento por aí. Depois dessa leitura, começo a me perguntar se o universo não seria composto por farelos? Amei!