Não vá a lugar algum. Ou vá. Só não se perca sobre aonde chegar. Porque qualquer caminho leva a todas as partes e todos os lugares são o mesmo lugar. Não compre passagem. Não faça malas. Não espere no ponto.
A vida não é viagem. Muito menos peregrinação. Deve ser só sobre ser. Deve ser só sobre estar.
Tenha pressa de existir e exista lentamente. Como um felino que se espreguiça no sol. Exageradamente insuficiente.
Não precisa de mapa, rota, direção. Só precisa caminhar atento. Os pés fincados no chão do dia. Uma cabeça alinhada com os pés. Não a meta a correr estradas, dentes trincados a antecipar maldições.
A cada dia o seu próprio infortúnio. A cada dia seu gozo inteiro. A vida deve ser sobre seguir. Não deve ser sobre chegar.
Nos dias ruins, respire e não faça mal a ninguém. Nos dias bons, dance e não faça mal a ninguém. Nos dias tão nulos até mesmo para serem ruins, caminhe, sem fazer mal a ninguém. Por certo, também não deixe sua pobre cabeça, alucinada, rolar para trás.
Livre-se do vício de pertencer. Há certos trechos da não viagem, que não se faz acompanhado.
Que ninguém te imponha regras, senão a vida. Moralidades, monotonia, monogamia, melancolia – são pra quem tem preguiça de viver – só não faça mal a ninguém.
Não chegue lá. Não atinja o topo. Não cumpra todas as metas. Esses caminhos só tem aflição. Já estamos onde devíamos estar. Amanhã também estaremos lá.
A vida deve ser sobre ir caminhando. Afetuosamente. Ir é ser. Não parar é ter razão.
Qualquer caminho leva a toda a parte. Fernando Pessoa.
Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras. Álvaro de Campos
4 Comments
O comentário vai repetido
Texto sucinto, certeiro, dialético. Com as incertezas inerentes ao tema. Auto-ajuda inteligente, com toques de filosofia budista.que há de desconcertar os que a pretendem seguir.
“Os pés fincados no chão do dia” é um meditar itinerante tão importante que até é menosprezado como óbvio. Mas é mesmo e é genial e lindo seguir tentando, conseguindo, desistindo e retomando. Quando a gente percebe que a vida não é palpável porque flutua no vento, ela começa a ser um pouco menos impossível.
Um texto que dá instruções para existir e que, ao mesmo tempo, as retira – “Que ninguém te imponha regras, senão a vida”. Um texto que nos dá instruções para estar no movimento, é o atravessar, é o ser atravessado, nos dias bons, nos ruins e nos medianos. Um texto que nos abre os olhos para a vida agora, para o diálogo com o instante, com a poesia sua e de Fernando Pessoa. Achei o título sensacional.