
Aceito ser mediana
Invenção deixei de criar
Nunca fui primeiro lugar
Me escondo desde o útero
numa segunda posição
_Segunda à esquerda, ok?
_ Despois segue até o fim
Sem a pretensão dos gênios
ou a estupidez dos tiranos
Caminho no meio da rua
nem tanto ao sol
nem tanto à lua
Desvio da saliva fétida
dos corruptos bem trajados
mas não paro ao centro
Não nasci para governar
tampouco para ser governada
Sigo à margem do rio
em direção ao mar
Na média, critico mais
que elogio
Tem sido um ofício intenso
praticar o contrário
Minhas ideias são fabricadas
sem vaselina ou aspirina,
embora sejam bordadas
a cores e certa teimosia
Não chamaria de esperança
o que me provoca o sentido
Deixei de cultivar esperas
Cultivo certos rituais
de arrumar a mesa
Passar o café quentinho
tostar o pão a ver a manteiga
derretida em amalgama
com queijo e orégano
Uma dose de açúcar mascavo
Está celebrado o rito
Fora esses caprichos
esses luxos sensoriais
aceito ser a mediana
que corrige a curva
e expõe os desvios-padrão
O corte, a régua,
a medida da paixão
4 Comments
Apologia à beleza e à simplicidade. Precisa aos novos tempos.
Nada a aspirar a mais do que aquilo que é concernente à vida ela própria. Tão somente estar entre.
Adoro o seu jeito de transformar o cotidiano em rituais poéticos, muitas vezes em torno de comidas e refeições e suas sensações. É sempre muito saboroso ler seus textos 🙂
“aceito ser a mediana
que corrige a curva
e expõe os desvios-padrão
O corte, a régua,
a medida da paixão”
Você pode entrar no padrão agora, Mônica, mas não resta dúvida de quem seu talento para manejar as palavras e sensibilidade estão muito acima do médio!
Li três vezes e certeza que lerei mais. Tem coisa demais nesse poema, e mais é pra cima, não tá no meio não. Seus poemas, não raro, me dão fome: de comida e de mais poesia.