A fé não está de barriga cheia. Ela passa por debaixo da porta, junto com frio.
Nasce quando a esperança morre, o desespero engole e a dor esmaga. Chega quando a razão soltou a mão.
É uma coisa invulgar. Bater desesperadamente numa porta, para que alguém, a quem tudo é possível, a abra, quando esse mesmo alguém, que tudo sabe, que tudo controla, consentiu que se fechasse.
Dobrar os joelhos diante de um pai, que é só amor, mas permite que o sorriso de uma criança se apague.
Essencial atribuir poderes menores. Que sua imensa potência seja um colo a amparar. Um verdadeiríssimo milagre.
Não era o melhor. O certo era a porta aberta, a criança sorrindo, a família junta, a saúde, a barriga cheia. Mas, diante da porta, que não se abriu, não maldizer a vida. Outro belíssimo milagre. Ou maldizer, mas não parar.
Diante da porta fechada, rasgar-se inteiro, mas permitir que a alma se aqueça. Cuidar dos seus. Sarar os joelhos.
Fé que não move montanhas. Fé que costuma falhar. Que não vai onde quer que vá. Um barco cujo fim não é chegar ao porto, mas navegar.
6 Comments
Que olhar belo e crítico sobre a fé – “Fé que não move montanhas. Fé que costuma falhar” , mas que talvez nos ajude a navegar. Talvez.
Leitura difícil. Ao mesmo tempo reconfortante e sincera. Ter fé, acreditar, desacreditar. Encarar o mistério eterno, querer respostas.
Do Poder absoluto, de Deus, diz-se que escreve certo por linhas tortas. Não se sabe. Continua-se. Às vezes com fé, às vezes sem.
É preciso seguir. Seguimos, mesmo que tenhamos que nos auto erguer pelos cabelos para andar ou navegar.
É isso!
Um sentido tão unanime, universal, uníssono como a fé, possui tantas incoerências, que geram injustiças e falta de fé!
Que bom que o teu texto nos lembra disso!
Como bem disse a Maria Julia: certeiro!
Corajoso e doído.. Imagem bonita… ela passa debaixo da porta junto com o frio.
A fé tem seus períodos de estiagem como qualquer nascente.
Texto sentido e cheio de sentidos. Beleza dolorida.
Que os sorrisos voltem. Amém.
Lindo, verdadeiro, certeiro, direto.