Maria Júlia
Enquanto ela costura a bainha da cortina da janela do quarto (cortinas pesadas são necessárias nos países do norte onde no inverno o vento sopra forte e a claridade se vai por volta das quatro da tarde), e conversa com seus botões, toca o telefone. Uma boa amiga, jornalista de uma conceituada revista mensal, anuncia que finalmente, saiu a aprovação do projeto da entrevista com a primeira e única paranormal do pedaço. A amiga é nortista, ex-protestante, pragmática. Tal e qual o seu país. Lá ninguém foi canonizado nem mesmo beatificado, conversou com os mortos nem rodou copos na mesa. É verdade que chegaram a queimar bruxas, mas isso já faz muito tempo, lá pelo século XVI.
Bem, no momento em que o telefone toca, religião, transcendência, vida após a morte e temas afim não fazem parte do cotidiano (nem talvez do imaginário) deste povo; pelo contrário, são assuntos encaradas com certo desdém nos “lugares frios e civilizados” do planeta, como os próprios habitantes gostam de acreditar. Portanto, a tal amiga mal sabe que está por inaugurar uma nova fase, em que alguns itens importados por forasteiros do sul, como por exemplo, o de fazer voltar a pessoa amada em três dias, passarão a povoar as mentes locais. No futuro, isto é, a partir de 13 maio de 2015, o governo ir até subsidiar alguns cursos de mediunidade. Quem viver comproverá.
-Bem- continua a amiga – vou ter que desligar, preciso marcar a entrevista já, depois eu conto. Tchau.
Ainda voltada para seus botões, ensimesmada com o tema das enormes diferenças culturais que separam nortistas de sulistas, ela reflete longamente sobre sua vida passada (ou a sua antiga ”encadernação”), quando havia girado copos na mesa, rodado a baiana, consultado cartomantes, ciganas, babalaôs, e presenciado certos fenômenos que somente seu olhar pouco civilizado permitia. Isto é, quando vivia em uma terra paranormal.
Dez minutos depois, o telefone toca. É a amiga, de novo, desta vez com voz: – Você está de pé? Por favor, sente-se, para não cair, tenho uma mensagem da vidente. Ela não sabe quem é você, mas me pediu urgentemente para lhe transmitir o seguinte:
“Diga para a pessoa com quem acaba de falar que ela largue imediatamente este homem. Ele não é muito bom. Nem faz bem a ela.”
Ela respira bem fundo, deixa rolar um suspiro, toma um copo d’água, e se pergunta: – O que fazer? Pega uma escada e pendura as cortinas verdes. Bonitas, mas claras demais para tapar a escuridão da noite tenebrosa em que procura captar a mensagem do além que, para bem da verdade, não lhe caíra nada bem. Deita-se, fecha os olhos, mas qual! Durma-se com a claridade e com um barulho desses.
No dia seguinte, acorda cedo, arruma uma ou duas valises, dirige-se ao aeroporto e lá no balcão da companhia, compra a passagem que a levará de volta ao seu país tropical, paranormal (e bonito por natureza).
Chegando do plantão noturno, ele vê o bilhete na cama:
Deixo duas lembranças: as novas cortinas verdes e o CD da Simone cantando um velho samba cuja letra ela mesma psicografou e que poderá esclarecer o motivo do meu súbito adeus. Também está disponível no youtube ( abaixo).
A cigana leu o meu destino
Eu sonhei!
Bola de cristal
Jogo de búzios, cartomante
E eu sempre perguntei
O que será o amanhã?
Como vai ser o meu destino?
Já desfolhei o mal-me-quer
Primeiro amor de um menino
E vai chegando o amanhecer
Leio a mensagem zodiacal
E o realejo diz
Que eu serei feliz, sempre feliz
Como será amanhã?
Responda quem puder
O que irá me acontecer?
O meu destino será
Como Deus quiser
Mas a cigana…!
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