A ARTE DE PERDER Elizabeth
Bishop
A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
No decorrer da vida, ao semear ventos, temos tempestades que por vezes alagam e destroem, por outras, logo trazem a bonança.
Diz o cientista António Damaso que desde o momento em que passamos a nos reunir em torno de fogueiras compreendemos as vantagens sociais dos sentimentos, a forma como eles nos ligam em laços familiares. Mas, pergunto eu, por que logo agora surgem tantos sentimentos ao longo dos tempos acumulados no coração e na memória? Ocasionalmente é possível encontrar coerência, coordenação, cronometragem (o timing) nos ocorridos, surgem as pessoas certas no lugar certo. A vontade de um, a disponibilidade do outro, a sintonia de encontros, de momentos. A compaixão que se manifesta numa conjuntura gerando crescimento, aprendizagem, realimentação, gratidão.
Depois, o choque, o mistério de tudo acontecer e em seguida, se encaixar, vir/ ir ao encontro, assim, inesperadamente, sem expectativas. As palavras faltam, ou melhor, não são necessárias. É preciso silêncio, só após muito silêncio elas se enfileiram novamente perante nós.
A beleza da natureza redescoberta, dou voltas e voltas no parque, encontro os mesmos cães, os mesmos donos, a mesma garça elegante e altiva me esperando na margem do mesmo riacho, os patinhos de sempre, espevitados atrás da mãe, sento-me no mesmo banquinho e já não penso mais. Só observo. A rotina está se fazendo pesada. O impacto perante o mistério da vida e da morte. Sem tirar nem pôr. Pois foi assim. De repente, não mais que repente. E eis-me aqui, impactada, empobrecida. Sem querer nem poder. Dizem que vai passar. Tomara. Por enquanto, a falta, a lacuna, o buraco, a ausência. A saudade.
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Quanta beleza no seu texto, Julia. “As palavras faltam, ou melhor, não são necessárias. É preciso silêncio, só após muito silêncio elas se enfileiram novamente perante nós.” Mesmo com o olhar melancólico vc não deixa de contar e narrar os detalhes do cotidiano, as palavras voltando e indo ao seu encontro pra falar de vida, com suas presenças e ausências, palavras e silêncios.
Vinicius cantou que “É melhor ser alegre que ser triste”, talvez seja mesmo. Mas a tristeza não pode ser desprezada, nem diminuída e anunciada como uma vilã. Ao contrário, e sem querer de forma nenhuma fazer um ode a tristeza, é ela que nos ancora, que nos faz inspirar e expirar lentamente, que nos faz olhar com delicadeza todos os detalhes daquilo que já foi olhado, mas talvez não visto. Senti tua tristeza, e se não passeei no teu parque, me deixei levar por outras paisagens/rotinas que me concederam a mesma paz entristecida que o teu texto me causou. Não li todos os teus textos, mas concordo com a Eliana, de que esse é um dos mais bonitos dos teus textos!
Um dos mais singelos e tocantes textos que escreveu na nossa Roda, Júlia. Chegou-me em sussurro intercalado de silêncios. Sentei com você no parque e observei as pessoas, os cachorros e os patos. Vi você. De mim se aproximaram a saudade e o desejo de passar pela tempestade e seguir.
Muito boa sua empatia Mônica!
Fui passando contigo no parque, nas suas percepções e reflexões. Até que deparei com o riacho: “Dizem que vai passar. Tomara. Por enquanto, a falta, a lacuna, o buraco, a ausência. A saudade.” Lacuna, buraco, ausência assim em sequência foi cavando em mim imensa empatia. Que ela alcance seu coração.