Sexta feira, 21 de março de 2008 – manhã. Inerte, no piso branco e gelado, o corpo branco e gelado de Sara, no banheiro branco e gelado da escola branca, com as mensalidades rigorosamente em dia.
O topo da cabeça exibia uma ferida contusa de uns quatro centímetros, sujando de vermelho o cabelo loiro de Sara, que enfeitava uma cabeça pouco habitada. Olhos abertos verdes e vidrados. Tênis da marca Vans apontando o teto. Outra mancha vermelha na quina aguda da pia. Uma garrafinha para água mineral vazia. Crianças e adolescentes ao redor gritando e correndo em câmera lenta.
Era no banheiro asséptico que Sara se refugiava das opressões da escola e da vida. Era no banheiro que sorvia grandes goles de vodka sabor vanilla, recém adquirida por sua família no free shop, enquanto se livrava da tortura das aulas de professores nem tão assépticos. Assepsia também é algo de que se padece.
Expirado o período de purgação pelo qual devem as almas passar na terceira dimensão, a jovem alma impurgável passou a assombrar banheiros femininos de escolas. Indistintamente. Até mesmo escolas que para aquela alma em vida eram invisíveis. Felizes ou com choro e ranger de dentes.
Conta a lenda que se uma estudante chamar três vezes por seu nome e em seguida acionar a descarga da privada, a figura alva e mortificada se materializa no banheiro, olhos ainda vidrados, e nas mãos uma folha de A4 com os dizeres: “é assim que uma antifeminista se parece” – em inglês. Sorte das escolas que nem descarga no banheiro têm.
5 Comments
Da poesia ao terror e ao suspense! Dá-lhe talento! Parabéns, Vaneska você é demais! Ai que medo dessa louca loura do banheiro branco! Ao contrário da Monica, morro de medo de filme de suspense.
Acho que o texto fala das dificuldades de se enfrentar a vida: a vida não é asséptica como o banheiro. Na vida real, nem mesmo o banheiro, habitado por assombrações, é seguro. Deve-se aprender a enfrentar as assombrações deste e do outro mundo, com ou sem vodka!
Uma lenda, o fantasma da loura do banheiro, contada de maneira crítica e divertida. Terror e bullying, ficção e realidade assombram infâncias de escola. Texto muito bem construído.
De repente, faz lembrar “Psicose” de Hitchkok, crônicas de Nelson Rodrigues, o seriado “A dama de branco”, escolas pouco assépticas cheirando à água benta, manchetes do jornal “O dia”. Mistério cheio de estilo Vaneska. Parabéns!
Minhas sensações foram migrando de filme de suspense que amo assistir, depois para as lendas urbanas que assombraram gostosamente minha infância e adolescência até a paulada final que faz cair na real.
Adoro seus textos!