“Lá estava seu quadro. Sim, com todos os verdes e azuis, as linhas subindo e se cruzando, a tentativa de alcançar alguma coisa. Seria dependurado no sótão, pensava que seria destruído, Mas que importa?” Virgínia Woolf
Não me importa. Faço o que faço, pinto o que pinto, bordo o que bordo. Perdoem-me, não resisto a brincar e gracejar com ditos e expressões populares, ainda que fora de moda. Para isso servem as letras e as palavras, não? E hoje, um dia feliz dia bipolar, encontro-me nessa disposição. A extrema gravidade com que as pessoas levam a vida (e se levam) é extenuante, já vivi a fase, de pouco me serviu. Se, por acaso, minhas linhas se intercruzam na tela ou no papel, se meus azuis e verdes terminam por gerar amarelo, que seja! São sinais de fertilidade, generosidade, de espírito criativo. Não vim ao mundo para agradar alheios, bajular egos, me alienar de mim mesma, daquilo que vejo, sinto, toco, ouço, percebo. Não me basto, os outros, tampouco. Conviver -consigo e com os outros- tem seus percalços, exige um mínimo de autoconhecimento, não?
Mas deixemos disso, o que interessa é pegar numa tela, num papel em branco, misturar as cores, subir, descer, ir de um lado para outro, tervigersar, inventar imagens, contar histórias, criar versos, traçar letras, os diversos alfabetos do mundo, com todos os sotaques e sons, escrever com linhas tortas – o próprio Deus não faz assim ? Às vezes chegamos a algo, hoje, por exemplo, vejam acima o quadrinho, acertei; por vezes, ficamos a esmo ou no mesmo. Sim, podem pendurar meu quadro no sótão, guardar meus rabiscos, até mesmo jogá-los fora e queimá-los. Não busco a posteridade para viver a vida que me coube. Pois acredito que no final das contas:
Serão reflorestados os
desertos do mundo
E os desertos da alma
Os desesperados serão esperados
E os perdidos serão encontrados
Porque eles são os que se desesperaram por muito
esperar
E eles se perderam por tanto buscar.
Eduardo Galeano
5 Comments
Esse texto tem uma força absolutamente delicada. Viver a bipolaridade são para os fortes, mas também para os generosos que entendem que a alma não se reduz, não se molda. Sim, pode até brilhar menos as vezes, mas nada que o vivenciar das próprias questões, o assumir dos próprios limites, o amar a si próprio não posso garantir o re-acendimento da chama. Afinal o que importa se a parede fica na sala ou no sótão? Se o quadro estará pendurado ou esquecido? O que importa são as linhas verdes e azuis traçadas por uma alma brilhante em um dia bipolar. Isso sim é viver!
Que texto belo e libertador – “Não busco a posteridade para viver a vida que me coube”. Uma poética para as escrevinhadoras – preciso ler sempre.
Que bom, Carolina, e pensar que nunca ambicionei a poesia!
“E hoje, um dia feliz dia bipolar”, Vejo você, Júlia. Bem humorada, filosófica, mordaz. Delícia de texto. Que bom ver de volta a sua essência de escrevinhadora.
Verdade, Júlia! As cores que criamos não precisam ter sentido pra ninguém. Só pra nós mesmos. Também já não me perco mais nas avaliações dos outros. Vida que segue rica e torta. Por que não?