
Às vezes, nesta época do ano, ela amanhece mal-humorada, com presságios funestos, escurece cedo, suas noites não são de luas. Mas gosto dela mesmo com esses desvarios de inverno.
No lugarzinho de onde não podemos sair, a fronteira com a grande cidade é muito perto da minha casa. É só entrar no jardinzinho, levantar a cerca, sair pelo mundo. Mas não. Não estou a fim de levantar cercas, ando de luto, prefiro hibernar. Muitas perdas em três anos. O meu mundo caiu, não está pra conversas, anda cinzento, mal-humorado, cheio de regras, não se pode chegar perto de ninguém, não se vê a cara do próximo, tudo ficou pequeno, segregado. Estamos todos inquietos, irrequietos, indigestos, mascarados. À propósito, sabiam que mascarado era uma gíria antiga, para designar pessoas falsas, que mudam o jeito de ser conforme o ambiente? Mas agora é pra valer. Tudo mudou de jeito, até ela. Quer fazer de conta, mas, coitada, não consegue, ninguém se ilude com as luzes da sua ribalta. Quer fingir que tudo está igualzinho quando a gente sabe que está diferente, quer se colorir, se enfeitar, tapar o parco sol com a peneira, mas não convence. Pequena, porém exibida, sofre de falsa modéstia. Antes do confinamento, recebia festivamente milhões de visitantes por ano que a invadiam, se aproveitavam da sua generosidade, subiam nos seus monumentos, lanchavam nos seus portais e museus, urinavam nos seus becos, desrespeitavam sua história, rindo, bebendo e cantando como se estivessem numa quemersse dominical de filmes ingleses antigos.
Será que ela terá forças para lutar contra o comércio, a ganância, as forças ocultas, e consegue ficar mais firme, menos escancarada? Um certo recato lhe cairia bem, seria mais atraente. Mas não. Acabo de ler que nesta quarta-feira reabrem o circo de antes. Os jogos recomeçam.
5 Comments
Bom ler isso Vaneska, nesse momento que me sinto vazia de criatividade e imaginação
Viajo 15 dias em abril, Meninas, vamos todas nos encontrar em maio e seguir em frente?
Vaneska Eliane Carolina Dora Monica!
“Não estou a fim de levantar cercas, ando de luto, prefiro hibernar.”… compartilho tanto desse sentimento que, acho, deve ser algo coletivo. Tudo está, definitivamente, diferente. Que passe, Julia, que passe para todos nós. Lindo texto.