
Ainda há pouco ouvi meu nome de uma maneira que somente diziam aqueles que agora habitam a terra silente. As sílabas melódicas e atonizadas, nascidas do hábito e da intimidade, me alcançaram como se não houvesse a realidade e os destroços a bloqueá-las. Um som cego ao tempo, o engolidor de vidas, vibrou no ar. Não chegou em ondas sonoras, aquelas que se propagam em arcos sucessivos e nos perpassam para se perderem no vácuo. O som chegou a mim em reta tênue, atravessou camada fina de pele e se chocou na parede do que sou hoje.
Meu nome, dito desse jeito displicente por quem não mais existe, me encontrou em lugar costumeiro. Diante da janela gradeada do quarto onde passo os dias – todos os dias dos meus últimos dez anos. Juro que escutei. Naquele exato momento em que tentava ver os arabescos feitos de sombra que a luz dos sol desenhava no chão. Apurei os ouvidos e procurei em giros de cabeça. As pernas, em abandono mole na cadeira, somente seriam movidas com a ajuda de mãos distantes.
Em imobilidade semelhante, os objetos e os móveis dormiam o sono eterno a que foram condenados e nada me disseram. Desvarios meus, concluo. Desses que nos acometem vez ou outra e asseguram o quanto estamos enganados sobre nós mesmos e as coisas.
Sem respostas, sem sinal de vozes ou sons e sem as mãos que me carregavam de um lugar a outro, busco o horizonte.
Do mundo lá fora percebo apenas o que atravessa as lentes grossas de meus óculos. Mesmo com eles, tudo chega a mim dissolvido em bruma leitosa. Por isso pisco e pisco. Ajuda aguar os olhos. Algo sempre se destaca no entorno tremeluzente.
Foi entre abrir e fechar os olhos que distingui a um palmo de distância, no ar, uma pétala de flor amarela. Ela caiu em balanceio e pousou no umbral da janela. Toda encanto e delicadeza, rompeu a névoa das retinas gastas e se ofereceu em cor a mim. Minhas mãos tatearam para pegá-la. A tentativa fez com que a pétala despencasse no abismo além da janela. Eu, impedida de assistir, me conformei em imaginar a queda. Ela voluteava e descia hesitante a dançar no ar.
Exausta, cochilo. Surgem flashes amarelos, rumores, eu caindo, caindo, em um vazio fantasmagórico e interminável. Há uma estrada, árvores, céu azul e nuvens cor-de-rosa. Os braços abertos sobre o guidão da bicicleta, as pernas ágeis a pedalar. Vento no ouvido. Uma voz inconfundível, tão íntima quanto amorosa, Lininha, Lininha. O chamado me desperta. Envolve-me o ressonar do silêncio. Está escuro. Pelos óculos não consigo ver nem o ar nevoento de todos os dias.
2 Comments
LI duas ou três vezes, a última, de trás pra frente: um bom exercício de leitura que me fez apreciar ainda mais a tua escrita cheia de pensamentos e imagens profundas e originais.