Angela Fleury
O avião sobrevoa a floresta recortada pelos rios. Tudo é grandioso no norte do Brasil e a sensação é a de estar de volta. Conforto e acolhimento. A floresta Amazônica exibe seus verdes mais claros e escuros e eu, lá no alto, me esqueço da vida admirando a sua imensidão. Surge, de repente, do nada, um clarão na mata. Esforço-me para ver através da pequena janela aquilo que há muito tempo queria rever. Minha terra, minha gente, o estar em casa, a sensação de domínio de tudo em volta. A visão da pequena pista de aterrissagem faz o coração bater ainda mais alegre.
Chegamos, estou de volta.
A escada é empurrada manualmente na direção da porta do avião. Há muito não via aquela cena. Tudo me levava a voltar no tempo. Estou de volta na terra de meu pai. Há muitos anos não venho aqui, meu pai não está mais aqui, mas é como se estivesse, tudo mudou, mas ao mesmo tempo nada mudou. Meus primos me aguardam no desembarque e o afeto e o carinho que recebo ao chegar é alguma coisa que só vejo nas pessoas do Pará. O Pará me dá colo.
Muito tempo se passou desde a última vez que estive aqui, o mundo passou a ser inteiramente outro, eu sou inteiramente outra, este lugar passou a ser inteiramente outro. Seria então possível vislumbrar dentro desta pessoa que hoje eu sou, alguma coisa tão familiar, tão presente, tão igual, como se de alguma maneira o tempo estivesse parado lá atrás? Haveria dentro de nós a capacidade de retornar, se reconectar através de cheiros, paladares, sensações, pensamentos, intuições com nossos sentimentos mais primários e essenciais que seriam talvez alcançados através de uma reconexão com as raízes de nossos antepassados?
Voltar ao Pará foi uma expedição para dentro de mim mesma, para dentro da minha historia, para dentro das minhas raízes. Rios que parecem mares, horizontes a perder de vista. Bancos de areia fina nas partes mais baixas do rio, vazantes e enchentes, constante movimento, florestas douradas desfilando grandiosas ao longo das margens. Aves de todas as cores e tamanhos, peixes enormes que pulam sem parar para fora da água, cheiros muitos cheiros, cheiros de fruta doce, cheiro de água doce, cheiro de tempestade que se anuncia no céu que de azul se tornou cinza, cheiro de por do sol que colore tudo com o brilho rosa e lilás de um final de dia. Ruídos da floresta, ruídos das águas mornas que acariciam o corpo relaxado pela bubuia, horas de molho no rio.
Ah! Tanta pretensão a minha querer descrever em palavras a beleza que a região amazônica imprime em mim.
Um olhar para fora, mas ao mesmo tempo uma caminhada para dentro. Reconheço onde estou. Reconheço quem sou. Reconheço em cada ruído, em cada abraço, em cada cheiro, em cada primo, em cada paisagem, em cada olhar o meu lugar. Meu pai, seus oito irmãos e meus avós não estão mais aqui, mas ainda estão todos aqui. Ouço as historias da floresta, navego pelos rios, sinto os aromas e os sabores mais do que conhecidos: Aruanã, Tambaqui, Tucunaré, Matrinchã seres aquáticos mágicos de corpos robustos que nadam ao longo dos rios e dos igarapés e que me lembram de novo da força da natureza que habita também em mim. Taperebá, Tucumã, Piquiá, Bacaba frutas com caroços de todos os tamanhos, com polpas fibrosas, amarelas, laranjas, roxas, verdes, frutos coloridos de cores fortes que se apresentam como em esferas perfumadas, com diâmetros arredondados que se penduram em cachos saborosos que brotam de sementes graúdas recheadas de massas espessas e coloridas que entram narinas adentro trazendo todo tipo de boas lembranças perfumadas.
Sim está confirmado é possível retornarmos para nossa natureza. É possível voltar para o que verdadeiramente sempre fomos. Reconheço, voltei pra mim.
20 Comments
Que lindeza, Angela. Tão bonito o contar das duas viagens. Também acredito que o que realmete somos está onde estão nossas raízes…. embora possamos florescer em outros rumos. Parabéns!
Nem sempre é bom voltar, mas desta vez foi mágico, transcendental, algo de extraordinário aconteceu aqui, uma viagem que virou uma viagem ainda maior, duas viagens, como você bem falou.
Mas nem sempre deve ser assim, nem sempre o rio Tapajós, caudaloso como poucos, te acalenta e te embala. Obrigada Vaneska que bom saber que você também pode viajar um pouco comigo nessa lindeza, obrigada pela companhia.
Voltar às raízes, buscar – e conseguir recuperar – o tempo perdido, bem, para isso é preciso uma certa coragem. Seu texto me remete `um pouco ao um tema que me é muito caro e sobre o qual refleti e escrevenhei muito- a emigração- vividamente descrito e pintado com emoção e força, fazendo o leitor viajar com você. Parabéns!
Maria Júlia
É mesmo Julia, você sabe muito bem do que estou falando! Nem tinha pensado nisso. Você sabe bem o que é voltar às origens, o que é sentir aquele lugar, aquelas pessoas, aqueles cheiros e sabores fazendo parte determinante de você. Sentir tudo entranhado, misturado. Mas você está certa ao dizer que é preciso coragem porque nem sempre é uma lindeza… esta busca pode ser frustante. Mas a minha volta foi revigorante, obrigada cosmo, obrigada Julia.
Tia Angela, amei tudooo! Parabéns pelo site e pelo emocionante texto. A gente se torna mais capaz e forte quando olhamos para trás e conseguimos entender da onde viemos e como chegamos até aqui. É revigorante!!!! E fico muito feliz de vê-la assim. Beijossss
Afeto e memória a nos guiar pelas matas, sabores e palavras – estranhas para nós ignorantes do norte do país-, que nos mostram a multiplicidade e a riqueza dessa região.
Oi Ângela.
Que maravilha voltar às raízes! Quanta emoção! Isso nos traz muita luz!!!
Fico feliz vendo você nesse novo projeto tão empolgante que é a “roda de escrevinhadoras”
Adorei o layout! Depois vou ler os outros textos.
Parabéns!!
Bjs
Obrigada Claudia, realmente este projeto da Roda tem sido uma experiencia muito empolgante e agora com este site novo espero compartilhar com amigos e leitores meus sentimentos e ideias. Cada dia amo mais o Brasil e me reconheço nele. Espero que este espaço seja uma troca, um compartilhamento de ideias e emoções, beijo.
Parabéns minha amiga, li e adorei. Que narrativa linda, cheia de emoções. Que viagem! Me lembrei de quando passei pelo mesmo turbilhão emocional quando fui à Portugal pela primeira vez com meus pais, conhecer “as minhas raízes”. Muito “bacana” saber que minha amiga tão querida é também tão capaz, tão inspiradora, tão competente … Beijos e saudades.
Obrigada Fernando! “turbilhão emocional”, você falou tudo, esta volta às origens, às raízes é realmente uma grande mexida, muito difícil de ser colocada em palavras. Mas fico contente de ter conseguido passar meus sentimentos a respeito desta viagem incrível.
Angela, amiga, Irmã, priima..,bom viajar e sentir estas emoções.., apesar de tão longe, sei que estamos juntas: nós duas e nossas famílias. ..parabéns pelo texto.
Obrigada, Nena. Tenho voltado varias vezes ao norte, Pará, Amazonas, Maranhão e tenho reconhecido muita coisa apesar de tudo ter mudado completamente. Mas tem sido magico me reconhecer nos cheiros, nos sabores, nas paisagens… tenho me impressionado muito como ali encontro tanto de mim. Lá fica bem clara a força da presença de meus antepassados que já se foram mas que ao mesmo tempo estão tão presentes. Você como minha amiga, irmã, prima de tão longa data, com pais também daquela região norte, tenho certeza que entende bem o que sinto.
Prima querida, emocionante viajar junto c uma realidade interna toda nossa e sua na verdade e no amor. Senti alegria, prezar, carinho, inteireza, sinceridade, brilho e acima de tudo pertencimento. Estou feliz de fazermos parte do mesmo campo energético familiar q nos une com tanto companheirismo , amizade , beleza , lealdade, irmandade e eternidade. Juntas e misturadas sempre. Te amo e sou feliz com tudo q és e com tudo q me fazes sentir no ❤️. 🌹🌹😘😘
Marly, o que falar depois dessa poesia que é seu comentário sobre meu texto? Te amo e sou feliz com tudo que és e com tudo que me fazes sentir no coração! Juntas e misturadas sempre. Feliz de fazermos parte do mesmo campo energético familiar. Obrigada, pela poesia na veia! Estou chapada, beijo.
Adorei, Angela. Parabéns pelo texto. Ele expressa não só os seus sentimentos e reencontros, como algumas sensações de quem visita o Pará, essa terra dos cheiros, das cores, dos sabores.
Obrigada, Lena, fico feliz de saber que você entende tão bem essa terra dos cheiros, das cores e dos sabores. Essa terra que quero sempre voltar porque como escrevi no texto, é uma terra que me dá colo, que me abraça e me acolhe de uma maneira incrível. Me lembro de você comentando sobre sua viagem ao Pará. Obrigada pelo carinho, amei você ter lido meu texto e ter se identificado, beijos. Vou adorar que você leia nossos textos, a ideia é irmos trocando experiencias através de nossas cronicas, poesias e comentários. obrigada.
Poucas vezes , desde Dalcídio Jurandir,Sant’Ana Pereira,Melo,Loureiro e outros ícones literários , descreveram a Amazonland de forma tão esteticamente e elegantemente bem feita.
Bem ao seu estilo!
Gratidão pela linda crônica .
Bem ao SEU estilo, esse jeito sensível e carinhoso de ser e de sentir. Você pode imaginar a minha alegria em ler seu comentário tão generoso. Obrigada, amei. De inicio, quando comecei a escrever achei que não conseguiria transmitir em palavras esse sentimento tão forte e tão especial que sinto quando volto para The Amazonland. Não há na verdade palavras que possam exprimir a força e a beleza desse encontro entre eu e as pessoas do Pará. Entre eu e o rio, entre eu e a floresta… mas surpreendentemente, como numa mágica amazônica parece que consegui descrever um pouco, ou ate bastante, esse sentimento de força e de alegria que me toma quando estou de volta. Gratidão por vocês existirem, obrigada.
Nossa! Fiquei maravilhada. Senti, e vivi nesta leitura, tudo de novo. Vc literalmente arrasou. Foi demais da conta. Parabéns. Amei.😘😘😘
Obrigada, Amei! Você entendeu essa viagem para dentro de nós mesmos, para nossa infância e nossas raízes e esse encontro com nossos antepassados através dos abraços e olhares dos primos, dos cheiros, das cores e dos sabores tão especiais do Pará. Amei. A descoberta é a da importância de buscarmos de volta a força da nossa natureza e a certeza de que ela está mais perto do que podemos imaginar. Um mergulho e um encontro com nossos pais, tios e avós que continuam tão perto e para sempre dentro de nós. Amei.