Relatos em épocas de pandemia
30-04-2021
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio
Falava que os vazios são maiores
E até infinitos
Manoel de Barros
De repente, fez-se um imenso espaço, o ar-livre transborda de vazios, liberta-se das pessoas. As praças da cidade, repletas de um ar solitário e melancólico, ficam belas, tristonhas.
Nossa história de vida também se enche de vazios. Amigos que partem, se dispersam, pessoas queridas que se vão. Subitamente, abriu-se uma cratera imensa à minha volta. Mas o meu vazio anda cheio de coisas.
Às vezes, ele se adentra com o torvelinho mental de pensamentos imperfeitos, visões facetadas de vidas anteriores, diálogos internos com meus atores e coadjuvantes. As saudades chegam, desconcertantes.
Outras vezes, ele me relembra de que também sou composta de carbono, ferro, água, cálcio, oxigênio e hidrogênio e sei lá mais o quê! Sinto fome, vou até a cozinha ver o que é que a baiana tem e preparo um mero queijo quente.
Ocasionalmente, o vazio entra de supetão, cresce, aos poucos vai se instalando; é quieto, discreto, morno, não estimula culpa nem dores. Deixo-o ficar, desligo-me numa boa, sem procurar conexões. Não vem, que não tem! Quero a minha cabeça bem oca.
Quem nunca o sentiu?
2 Comments
Retrato poético de nossos tempos. Ironia, humor, reflexão e vivência interna e externa da paisagem atual.
Há nesse momento os vazios inevitáveis e os propositais. Tem hora que só um para curar o outro.