No decorrer da existência a gente encontra egos esfuziantes, narcisistas ferrenhos, autoestimas desmesuradas, pessoas ferradas e vidradas no próprio umbigo. As que gostam de alardear que estão bem com a vida mas no entanto se revelam incapazes de ouvir o outro, entrar na pele alheia, criar interesse por algo fora do seu (curto) circuito. Tempo, ninguém mais tem. Atenção e compaixão também é matérial escasso.
No atual mixórdia comunicacional, a tecnologia nos impulsiona para isso, queremos respostas imediatas. O interlocutor, apressado, responde e revida de acordo com o cenário montado na sua cabeça, sem procurar conferir o que o outro pretende dizer. Erro crasso. Na realidade, as minhas fabulações se remetem a uma engrenagem diversa das tuas. Na convicção ferrenha de que o outro vê, pensa e imagina igualzinho a nós está a origem dos desentendimentos e ofensas, habita a descomunicação.
Cada um tem a sua própria maneira de estar no mundo, como formulam os portugueses. Algumas pessoas têm a leveza do ser, outras, chumbo. A gente passa adiante um vídeo que julga engraçado e percebe que tudo foi levado à sério. Envia uma nota que julga ser solidária e recebe uma resposta avessa. Sim, o inferno são mesmo os outros. Porque o outro também é livre e não temos como controlar o que diz, vê, pensa, imagina, fabula, conclui; entretanto, aí é que a porca torce o rabo, precisamos dele, do seu olhar. Eis a origem da constante tensão nas relações humanas.
Emigrar, viver no estrangeiro, nos confronta com a matéria. A gente perde o chão quando não se adapta aos jeitos e trejeitos alheios (já que os nossos, depois de certo tempo perdem a graça). A unicidade balança. Então, por mera questão de sobrevivência emocional (aqui vai um recado autoajuda sem som de berceuse) exercitar a arte da Não interpretação de textos é mais do que necessário.* Nem sempre dá para pormos o caso em si.
* A outra alternativa é não enviar mais mensagens. Simples assim.
4 Comments
Significamos coisas tão precisas que podemos cair na desgraça de achar que os outros vão devorar nossos significados com boa digestão. Nem todos os estômagos são adequados aos nossos quitutes mentais.
A objetividade do texto não prejudica em nada sua precisão, ao contrário, a agilidade ao tratar do tema tão complexo faz a leitura muito interessante. Sim, o inferno são os outros…mas somos nós também, a super exercitar a interpretação, a mal interpretar, ao neglicenciar a interpretação. Certo é que não podemos nos esquivar da comunicação. Estamos engatinhando em novos meios de fazê-lo, possivelmente evoluiremos. Gostei muito do estilo diferenciado desse seu texto, Julia!
Descrição acurada da nossa realidade comunicativa. O desfecho aponta para um caminho sem saída, é impossível estar no mundo e não interpretar e se comunicar. Mesmo que haja ruídos e desavenças, se comunicar e se expressar, como o seu próprio texto demonstra, é imprescindível e necessário.
Recado bem dado, Júlia, e aprendido. Temos muito a caminhar em termos de civilização com bases na afetividade, solidariedade e humildade.