Desde quando perdemos a poesia? Em que momento deixamos de ouvir a voz dos fenômenos da nossa natureza? Como foi que fechamos os ouvidos para a beleza e a fluidez da diversidade? Certezas, convicções, convencimentos, fés cegas, de onde tiramos essas ideias? Estamos surdos para ouvir a beleza e a estranheza brilhante da natureza da nossa realidade? Estamos de fato perdidos para sempre ou ainda poderemos encontrar uma trova, um verso, um sonho que foi esquecido pelo caminho? Desde quando estamos com os ouvidos lotados de firmezas, empapuçados de deuses particulares, de fés inabaláveis, de ideias fixas e obsessivas? Desde quando paramos de fazer perguntas e passamos a ficar atolados em coisas feias e fixas? Desde quando paramos de perceber os movimentos e o encantamento da multiplicidade de tudo que nos envolve?
Sem a poesia e sem as primeiras filosofias o que agora irá nos causar, o que irá nos explicar e nos determinar? Como poderemos esvaziar os ouvidos para sentir e quem sabe compreender que estamos tudo e todos em um eterno e incessante vir a ser? Perdemos para sempre a inspiração poética? Não conseguimos mais escutar a fala das musas? Estarão o espanto e o entusiasmo calados para sempre, e nós, surdos, fadados a conhecer o mundo através dos falatórios embaçados de tantas convicções? Teremos mesmo que suportar o discurso da fé de quem sem ouvir parece ausente mesmo quando está presente e insiste em ter a verdade do mundo? Como escapar da massa empanzinada que guerreia enredada em fés e convencimentos imóveis e inarredáveis?
Não é para agir como quem dorme, como quem é surdo, como quem está morto para si, com a vista extinta tal qual um morto-vivo. A multidão empanturrada segue com os ouvidos cheios de tudo que acha que sabe. Precisa-se de uma nova tradução do mundo, não podemos mais ser como cadáveres ambulantes repletos de certezas mesmo antes de ouvir.
Não sabendo ouvir, não sabemos falar. Deixamos escapar os gritos do mundo que nos berra a constante mudança de tudo e a impossibilidade de estabelecermos uma fé fixa. Paramos de escutar, em algum momento, os gritos da natureza a nos avisar que somos todos diferentes um dos outros, como não enxergar que o mundo é diverso e múltiplo? Porque diante desse mundo mutante queremos sempre estabelecer uma única fé, um único deus, uma única crença, um único pensamento?
5 Comments
Fé, razão e poesia, como viver sem elas? Mas, será que elas ainda existem em um mundo em que poucos escutam e muito se fala?
O texto veio em boa hora. Um alerta para que possamos “esvaziar os ouvidos”, sentir e compreender o que se passa ao redor. Uma crítica a fé que não deixa espaço para a dúvida, a incerteza e a diversidade.
O diverso de nós, o reverso da moeda, o verso! O que nos mantém atentos e firmes, fazendo perguntas que nos instigam independente das respostas, pois a reflexão está justamente nas provocações e na possibilidade de sairmos de nossa zona de conforto. Texto forte!
Perguntas fundamentais para a gente poder entender a causa das coisas! Abordagem original.
Tantas boas perguntas sem respostas. Para mim é difícil entender essa necessidade de alguns de querer matar a diversidade. Isso é um ato criminoso, especialmente no Brasil com uma cultura tão mestiça.