Estava à espreita no parapeito da janela desde o início da manhã, até que, resignada, acabou indo se sentar na almofada jogada no fundo da sala. Lá não ficou nem cinco minutos. Andou daqui para ali, percorreu os vãos entre as cadeiras, se agachou, colocou a cabeça no chão e chorou.
Depois de um tempo, a barriga roncando, procurou alguma coisa para comer. A comida não lhe apeteceu, acabou indo dormir. Quando se deitava reparou em um brinquedo no assoalho. Ele foi mastigado sem muito entusiasmo. Lembrou de uma coisa. Gostava de brincar consigo mesma. Então, coçou a orelha, se cheirou, mordeu um dedo, coçou a barriga, enfiou a cabeça entre as pernas e se sentiu confortável e relaxada. Ficou assim por quase uma hora.
De repente um perfume no ar. Levantou num salto, correu em direção ao quarto e parou um instante antes de decidir se subia na cama ou mexia nos chinelos largados embaixo do móvel. Curiosa, revirou primeiro um e em seguida o outro. Desistiu e foi procurar as cobertas dobradas em cima da cama, onde voltou a sentir o cheiro que ainda há pouco percebera no ar. Agora, mais animada, tentava puxar a colcha da cama e acabou se enroscando numa pilha de panos. Apesar disso, foi com satisfação que enterrou o nariz o mais fundo que pode.
O prazer não durou muito. Ela começou a sufocar. Desesperada, quis se livrar das cobertas. Sacudiu a cabeça e terminou extenuada pelo esforço. Sem forças para mais nada, gemendo baixinho, se enroscou num pedaço de pano e caiu num sono pesado, tanto, que só a barriga se movia num sobe e desce lento e constante.
Quando afinal acordou, o interior da casa estava às escuras e as luzes nas paredes traziam a movimentação dos carros para dentro da sala. Seus olhos miraram através das grades da janela a rua que fervilhava lá fora e tentaram se fixar em algo. Percebendo que o refúgio ali havia se tornado um lugar barulhento, buscou o sofá macio, destino natural para uma longa noite de sono.
Mal começou a dormir, a porta da frente se abriu. A luz da sala se acende. Um, Mel, vem aqui, vem, soou amigável. Ela inclina a cabeça, fecha os olhos entre às mãos que lhe acarinham com suavidade, abana o rabo e late alto e feliz.
Leave A Reply
Eliana sempre "contando". Gosto do que conta. Identifiquei a protogonista de cara, pois compartilho minha vida com alguns desses seres. Aliás, esse protagonismo da Mel foi inusitado. Insteressantíssimo o exercício descritivo da atividade "não humana".
Vaneska
Muita observação e riqueza de detalhes na sua descrição dos movimentos da Mel, que no início pensei tratar-se de um bebê, depois de um gato.Final feliz e bem desnrolado. Uma ótica bastante original e interessante.
Oi Eliana, adorei a perspectiva do conto, o clímax e o final. Pensei que fosse uma gata (tenho gatos).