
Ando por aí, de esquina em esquina, buscando uma prosa que faça sentido. Será que me encaixo com esse meu jeito avulso? Bato de porta em porta e dissimulo meu vazio com um sorriso plástico. É doído não encontrar nenhum poema-polvo vadio que me abrace com suas estrofes. Minha alma é coletiva. Não precisa ser uma epopeia. Leminski me entenderia.
Em dias felizes componho declarações de amor. Mas esses dias repousam um tanto esquecidos na poeira das horas. Sabe, o amor se dissolve em meio ácido dando lugar a uma substância amorfa chamada doença. Por isso o protocolo padrão é guardá-lo quentinho dentro do peito. Há que se fazer depósitos nesses tempos estranhos. Hoje o amor é gordura necessária, azeite extravirgem.
Tentei uma rima essa tarde. Projetei minha voz trêmula num tom elevado que ecoou na sala vazia. Foi o momento que me senti menos só. Minha voz ressoou parecendo companhia, senti a textura de um algodão doce de parque de diversões. Na língua ficou a doçura, mas a presença foi-se num segundo. Essa foi a única metáfora que me ocorreu.
4 Comments
Um verso sem autor e a imagem perfeita da escrita: a busca pela metáfora, rápida alegria, nova busca. Lindo.
Amei o novo sentido para a gordura. Que pode até ser de azeite extravirgem, mas em ser gordura já quebra paradigmas. Que bom que o amor pode ser meio lambuzadinho como uma fritura e ao mesmo doce como o algodão! Manda um abraço para o polvo-poema! Lindo!
Se os dias são difíceis, na praticidade do viver e na inutilidade pulsante dos versos encontra-se a “textura de um algodão doce de parque de diversões” em um segundo de vida. É o bastante.
Adorei o seu jeito “avulso” e alma “coletiva”, de narrar a procura do poema-polvo.