Jurandir de Oliveira
-Olha lá Maria, como nosso menino tá parecido com o pai! A mulher parou de limpar o peixe e enxugando as mãos no avental, olhava para o filho de oito anos jogado no chão de cimento, brincando com um caminhãozinho de plástico. A casa atestava simplicidade por donde quer que se olhasse.
– É verdade homem! E dirigindo-se ao filho: Jesus! Tu vai ser pedreiro como teu pai?
– Não mãe, não quero! Disse o menino sem desviar a atenção do carrinho. Agora esvaziava o caminhão cheio de pedrinhas no chão da casa.
– Então vai ser o que? Diz o pai brincando: engenheiro? Maria, esse borra de tacho saiu mesmo besta! Não quer ser pedreiro como o pai, quer ser bacana o moleque.
– Pai, eu quero ser mediqueiro!
João e Maria caíram na risada.
– Mediqueiro! Haha Jumento! Se fala : mé-di-co, disse o pai, mé-di-co.
Jesus, meio sem graça, ajeitou no nariz os óculos consertados com durex em um dos cantos de uma lente.
-Agora fio, vai banhar que a boia daqui a pouco tá pronta. Hoje é sexta feira Santa. Tu vai ver que peixada boa que teu pai mais tua mãe tamos preparando…de lamber os beiço!
E animando-se:
Um dia, vou te levar no Piauí e vou te ensinar a pescar. Vai vê o que é praia bonita. Vai conhecer teus tios, primos, toda a cambada! Vamo de avião e vamo leva presente pa todo mundo. Que eu não sou homem de depois de vinte anos longe da minha terra, chegar de mão abanando! Já pensou fio, nós encima daquele bicho, olhando as nuvens lá embaixo?
O menino agora exibia um sorriso espontâneo, uma covinha apareceu em cada face, os dentes de uma brancura surpreendente. O caminhãozinho parecia ter ganhado asas e agora era elevado no ar, pelos braços franzinos do menino. Zummmmmmmmmm. Vamos de avião, vamos de avião pro Piauí!!!!!!!! Zummmmmmmmmm Zummmmmmmm
Então se escutou um movimento lá fora.
-É a Rita, é a Rita!
Rita a irmã adorada de Jesus chegava quase sempre a essa hora do colégio.
O menino saiu correndo.
Foi então que veio o grito. A primeira a entender o que estava passando foi a mãe. Coração de mãe entende primeiro do que os olhos e os ouvidos. Saiu correndo, largou a panela que rodopiou no fogão e caiu com estrondo no chão. O marido atrás, sabia pela cara da mulher que a coisa era grave. Os dois encontraram o menino, na frente da casa, estatelado no chão. Os bracinhos antes tão cheios de vida agora jaziam inertes, em um dos pés ainda calçava o chinelo. Os óculos com o impacto da bala,foram parar longe.
(Baseado em fato real ocorrido na semana da Páscoa de 2015 na favela do Alemão.A violência frequente e os tiroteios entre policiais e bandidos no morro já fizeram centenas de vítimas inocentes. Os pais do menino como única reivindicação, solicitaram ao governo enterrar seu filho no Piauí, vão voltar de avião para o Piauí, levando o corpo do filho morto. Não querem nunca mais saber do Morro do Alemão.
Nota: No entorno de uma favela, onde a paz e a segurança podem ser tão relativas, manter o sentido da audição em alerta, é praticamente uma questão de sobrevivência…
Leave A Reply