Cabelos espalhados no ar, saia esvoaçante e mãos que se esforçavam em mantê-los no lugar. Um assobio forte, seguido de um ruído de coisa quebrada, assustou a jovem. Sob seus pés voaram pedaços de vida esquecidos na rua durante aquele dia quente de setembro.
Embora o mundo estivesse preste a desabar, a jovem, que os amigos chamavam Bia, encontrava-se sentada no banco da praça desde o início da tarde, quando o céu sobre sua cabeça passou de um azul claro brilhante para um pesado cinza escuro. Preciso me acalmar, disse a si mesma. Mas não sabia como, já que o dia anterior insistia em surgir como um pesadelo e calma, definitivamente, era algo que Bia não desejava ter naquele momento. Apesar da obstinação em não sair do lugar, os pingos de chuva começaram a cair forte sobre a cabeça. Ela não teve escolha, correu contra o vento e foi se abrigar no restaurante do outro lado da rua.
Enquanto corria, surgiu a lembrança do momento em que saiu de casa, sem dizer uma palavra, serenidade estoica para evitar uma explosão de raiva que, sabia, não demoraria a vencer-lhe as forças, como sempre. Esse pensamento fez com que as lágrimas enfim corressem soltas e se misturassem à chuva que caía.
Mesmo molhada, entrou às pressas no restaurante e sentou-se junto à janela envidraçada, onde um vento furioso batia sem piedade. Por sorte conseguiu se instalar num cantinho que lhe deu uma agradável sensação de segurança. Procurou um lenço em sua bolsa, se enxugou e buscou um lugar para se esconder longe de si mesma.
A voz insistente do garçom a trouxe de volta, Moça, deseja alguma coisa? Bia demorou a entender o que ele dizia. Acabou pedindo um pedaço de bolo e um café, que bebeu sem pressa. De gole em gole, entre rodopios da fumaça que saía da xícara e desenhava anéis a sua frente, a noite anterior surgiu devagar. Primeiro o olhar feroz, depois a mão que voou em seu rosto e finalmente o movimentar-se mole e patético nos braços do namorado.
Um estrondo, seguido de uma luz a fez saltar da cadeira e a sentir medo novamente. Medo que logo se transformou em raiva. Resolveu então pedir um conhaque. Bebeu de uma vez só, fazendo careta. Bia não podia imaginar, mas ainda cedo o namorado foi procurá-la. Encontrando-a com certa facilidade, já que ali era o lugar onde se conheceram. Ele desistiu de se aproximar quando a viu ao longe, o olhar louco e triste. Alheia às avaliações sobre seu estado de espírito, Bia pediu mais uma dose e bebeu dessa vez lentamente, enquanto olhava a rua e admirava a tempestade que se abatia sobre a cidade.
Sem perceber, um colega de trabalho parou em sua frente, Ora, ora. Não sabia que era chegada a uma birita. Sempre tão séria no escritório. Posso me sentar?, Era o Carlos, que sem esperar resposta, se instalou na cadeira. Não tendo escolha, Bia só fez que sim com a cabeça. Enquanto ele gesticulava e ria alto, ela se distraía com o efeito da chuva sobre a vidraça. Numa dessas escapadas do olhar, notou que a chuva finalmente amainava, caindo agora preguiçosa, como se estivesse cansada de tanto alvoroço. Sem pestanejar, Bia perguntou, Vamos caminhar?, “Mas ainda está chovendo!, O que é que tem!? Vem comigo, na chuva é que é bom!, Tá. Vamos!
Lá fora o dia findava e o ar era fresco e leve. Eles andaram por muitas quadras, falaram sobre coisas das quais gostavam e a chuva continuou caindo serena sobre suas cabeças.
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