
A poesia precisa de certo espaço de movimento. As emoções precisam se alongar e encolher com liberdade, como pulmões sadios.
A escrita de versos demanda alguma leveza na percepção sutil dos detalhes menos perceptíveis, de maneira que sejam entrelaçados como abraços quentes.
Pensando nisso, preparo aquele café que adoro no coador de pano suspenso como acrobata no anteparo de ferro colorido, achado numa lojinha aconchegante em Tiradentes. A coagem é vagarosa. A bebida quente brota como água de nascente, fazendo um som cheio de ecos úmidos ao chegar dentro da xícara preta decorada com desenhos orientais que trouxe da Liberdade, quando estive em SP. Gosto dessa xícara porque ela tem um encaixe para o dedo indicador e um apoio para que os outros dois dedos não queimem encostando na xicara quente. Daquelas delicadezas orientais que tanto admiro.
O vapor quente do café se dilui no vento frio, este folheador intruso do livro sobre meu colo, como se fosse um acordeão que toca a música das árvores na tempestade. Olho para a janela e penso que a liberdade é azul. Leio alguns poemas do livro que trouxe de Portugal. A capa é de um azul cristalino. Me lembra o mar, minhas aulas de natação, as braçadas ritmadas, aquele estar e não estar no universo aéreo. A água pode ser uma bolha de paz para os ouvidos. A paz dentro do mar é ilusão. Nas areias brancas de Arraial do Cabo deixei minhas memórias mais singelas. Eu amava ficar ao sabor do vento, como as longas árvores que se inclinam e balançam. Minha alma era uma rede colorida a embalar meus sonhos.
Certa vez, apaixonada, escrevi que amar é como estar em Júpiter sem jamais conseguir descrevê-lo. E não são assim as melhores viagens?
6 Comments
O seu café é passado em coador de pano e servido em bule como o meu. Como é bom reconhecer-se nessas significativas sutilezas… senti muita calma ao ler seu texto, admirável.
Um abraço,
Elaine
Água de nascente, água do café, água do mar. Fluir suave a escorrer em várias direções. Pelas linhas do poema vamos da delicadeza de uma xícara comprada no bairro da Liberdade à viagem ao planeta Júpiter em asas do amor. Depois de mergulhar nessa delicada poesia, ficamos ainda imersas em águas de sensações e sensibilidade.
Talvez por ter trabalhado muito bem os sentidos, como disse a Carolina, seu poema em prosa quase tem cheiro e sabor. Revisitei lugares que também me são comuns, alguns com saudade. Compartilho seu apreço por xícaras de anatomia perfeita… aquelas xícaras sem buraco para os dedos são uma infâmia ao momento do café. A liberdade é azul sim.
As vezes prosa se torna poesia, como a agua se verte em café. Pelo coador dos teus sentidos você é capas de dar um toque teu, da tua delicadeza, da tua visão de mundo. Um mundo quem que o vento, o café e o planeta gigante revolvem tuas memórias e nos presenteiam de delicadezas.
Adoro como seus textos sempre trabalham os sentidos, os sons, os cheiros, o paladar, a visão. Este último texto é especial nisso, mostrando as delicadezas do cotidiano e como elas nos confortam quando conseguimos enxergar os detalhes poéticos contidos ali.
Monica, que bonito, a tua liberdade é azul! Tenho sentido isso na pele agora que aqui começa a primavera. O coador de pano suspenso como acrobata. Texto cheio de delicadeza e de belas imagens originais. Vontade de tomar café na xícara de desenhos orientais. Você vai longe!