
Apenas passo os olhos pelos jornais; jogo-os fora, alegremente, porque eles pretendem dar-me notícia de muitos problemas, e eu não tenho nem quero problema nenhum.
Acordei um pouco tarde, abri todas as janelas para o sábado louro e azul, e o mar me deu bom-dia. Passa um pequeno barco branco no mar de safira: como vai ligeiro, como vai contente, com seu bigodinho de espumas brilhantes! Uma ave se detém um instante peneirando, depois mergulha na vertical em grande estilo; quando volta, um pequeno peixe brilha em seu bico (A boa manhã – Rubem Braga)
Lembro de um poema de Adélia Prado. Os peixes prateando no ar. A captura destemida. A cumplicidade entre quem espera e quem chega. O silêncio na cozinha como um rio profundo depois que as fantasias de prata se convertem em carne e entranha temperadas.
Todo dia cristalino nasce do furacão das horas nebulosas. E de repente a água está tão límpida. O sol espalha campos de trigo nas retinas. Sopra uma brisa. Cócegas. Pêlos eriçados na nuca. O sol espalha campos de trigo pela pele. Há córregos serpenteando o ventre. O entardecer é cinema de Almodovar.
Tardes com cores de doce de abóbora pedem cravo. E depois a brasa da noite enche as bocas de uma suculência indolente. Depois dos peixes que prateam em rabanadas, não há som que expresse o absoluto pertencimento.
* Poema de Adélia Prado – O casamento
6 Comments
“Todo dia cristalino nasce do furacão das horas nebulosas”.
Nebulosidades íntimas e exteriores. Ainda bem que temos a poesia.
Imagens e sentidos muito além de mim e tão próximos de mim.
Uma lindeza, Mônica.
Sim! Ainda bem que temos a poesia em tempos de tantas nebulosidades outras que não nossas!
Sempre acho muito interessante como vc escreve os seus textos entrelaçando os sentidos, as sensações, as imagens. É uma delícia de ler!
Os sentidos para mim são preciosidades! Sou apaixonada por isso! Obrigada, Carolina!
O trecho que você sugeriu me inspirou!!!
Obrigada pela inspiração!
Muito poético e lindo. Tardes com cores doce de abóbora são de dar água na boca e contemplação aguçada. O dia cristalino que nasce de do furacão das tardes nebulosas. Tudo muito visual e colorido. Nada singelo!