Para ir à escola gastávamos uma hora de caminhada. O chão de terra batida virava asfalto, capim, asfalto, terra batida outra vez. Os calçados lustrados com graxa preta cobriam-se de um pó seco, amarelado. No caminho atravessávamos uma linha de trem em curva. Coração aos pulos, silêncio, ouvidos a esperar, trec-trec, trec-trec, trec-trec.
Ao ouvir o ruído próximo, recuávamos dois passos para ver o bicho de ferro passar. Um vento quente varria nossos rostos afogueados. Afastado o perigo, pulávamos os trilhos e seguíamos, mochila às costas, o futuro a nos empurrar.
Voltávamos, dependendo da época do ano, o céu claro ou escuro. Foi voltando, o dia claro, que me deparei com a exuberância de cores. Eram nuvens gigantescas no céu. Esparramavam beleza, perplexidade, coisas não materializadas ou ditas àquela criança em término de infância. Bastou um instante para o céu me revelar a importância do transitório, fazendo desaparecer o terror de bichos de ferro ou de qualquer espécie. Soube, foi me mostrado, da pequenez do humano, sua grandeza, do mistério do mundo, sua disponibilidade. A arte apresentou-se a mim.
Comecei a dar bom dia, a sorrir feito boba para cada pessoa que tomava fresca na calçada. Essas pessoas esperavam por algo que lhes desse segurança ou lhes mudasse a vida. Elas esperavam. Eu pressentia. O amarelo rubro daquela tarde ensolarada banhava-lhes o espanto de uma existência sem desvarios.
Olhos no céu, fugi para procurar a estranheza disfarçada em prosaico. Havia nuvens. Elas se escondiam. Havia tardes iguais a todas as outras que se repetiam todos os dias. Eu procurava. Havia tardes de céus que explodiam em cores e formas. Elas me encontraram.
4 Comments
Seu estilo não foi afetado pela contenção, seja como for, você sabe contar histórias. Texto luminoso, com um delicado processo de descrição de epifanias. Parabéns!
Lindo texto, Eliana!!! Estou orgulhoso de você. Beijos de seu irmão, Eloisio.
Muito bonito esse confronto com o concreto- do bicho de ferro, dos medos – e com o lírico , o transitório- das cores, tons, sensações. Muito bem feita esta síntese que não carece mesmo de adereços maiores tais com advérbios e conjunções. O teu olhar e sentir é forte e penetrante, supera os temores juvenis..
Que lindo encontro com a inspiração, a possibilodade da arte e a poesia disfarçada de nuvens fugidias. Basta escapar dos nossos medos para ter a chance de contemplar a infinitude do mundo e suas ricas possibilidades.