Na praia, bandeira vermelha desfraldada. Um vento de sudeste levanta ainda mais alto as ondas. É sempre assim, o mar revolto desinquietará as águas por mais três dias, durante a fase de lua cheia. Vou apanhando minúsculas pedras e faço uma concha com ambas as mãos. Gosto de provar a água que corre da falésia para o mar na maré baixa. É quase doce e aflora em olhinhos à superfície da areia, enquanto a espuma das ondas os cobre e descobre, e o mar se vai afastando para longe.
Consta que em tempos idos, um pastor, que tinha por hábito descer com o seu rebanho até ao areal, se espantou um dia, ao ver as suas ovelhas lá em baixo, bebendo água na areia junto do mar. Ao que pensou: água doce nas arribas, é água guardada. Serve para destemperar o sal do mar e, brotando assim das rochas, há-de matar a sede aos meus animais.
Assim reza a história desta praia e dos seus “olheiros”, que várias vezes ouvi contar.
Olhos d’Água – Algarve, Julho de 2018.
Mila Vidal Paletti
2 Comments
Descrição de um milagre ao alcance das mãos e de olhos poéticos. Mila, sua prosa me transportou para a beira da praia. Nela pisei de mansinho, porque assim exige sua escrita delicada, e me abaixei em frente à poça, que “aflora em olhinhos”, para beber um pouco de água doce bem pertinho das ondas do mar.
Mila
Sempre delicada e sutil em prosa e poesia, agora é a vez do mar de águas doces de Portugal (já que as lágrimas são salgadas no dizer do poeta…) que dá de beber a uma turista acidental e às ovelhas de um pastor de tempos idos. De repente, tudo isso me remete às águas baianas do grande Dorival Caymmi que canta como é doce morrer no mar. Aqui vai esta prenda para você que nos brindou na rodada do mês.
É Doce Morrer No Mar(1959) Canções praieiras
https://www.youtube.com/watch?v=gzOvxTvbCS0 Caymmi
https://www.youtube.com/watch?v=RZ17G_fd8LA Cesária Éora e Marisa Monte
Dorival Caymmi
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar [bis]
A noite que ele não veio foi
Foi de tristeza pra mim
Saveiro voltou sozinho
Triste noite foi pra mim
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar [bis]
Saveiro partiu
de noite foi
Madrugada não voltou
O marinheiro bonito
sereia do mar levou
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar [bis]
Nas ondas verdes do mar meu bem
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo no colo de Iemanjá