Years of solitude Anos de soledad
https://www.youtube.com/watch?v=FDwahjiQ_5g live em Roma
Maria Júlia
ESCUTEM:
A música salta de dentro do seu peito e voa para longe, ele sai correndo atrás, sem saber para onde, o saxofonista de bela juba branca ao vento e o seu saxofone plangente.
Nos caminhos do sul, encontra o bandeonista, e juntos choram as respectivas solidões perante o público italiano. O ano é de 1974, o local, um teatro de Roma. O saxofone inicia cantando a solidão como o que existe de mais real, como parte da condição humana, do ser na sua individualidade existencial. A solidão de cada um, dentro das próprios sentimentos, experiências, da precariedade da vida, da finitude, ressoa no teatro. O público desolado, piangere, piangere… Então, o bandonéon acompanha o saxofone. Também verte suas lágrimas, mas a seguir, procura um movimento próprio, independente, para sobrepor as lamúrias do outro, constantes e iguais. E reforça o ritmo, dá força ao grito, mas o seu queixume é menos pungente, mais vital. Na solidão que entoa, ele se rende à evidência de que cada pessoa é um mundo indecifrável, que os encontros, só por momentos, talvez, saciem as fantasias tecidas em volta da completude plena e eterna.
E assim sendo, o momento de dividir a solidão neste dueto, dura apenas quatro minutos e meio. Eles prosseguem no roteiro das lindas e lamuriosas sendas. Mais adiante, percebem que os instrumentos já não mais se combinam, nem em som, nem em movimento. Aí, abruptamente, a música para. Um, põe suas barbas brancas de molho e segue para o Norte. O outro, sisudo e circunspecto, dá a volta por cima e segue para as trilhas austrais, onde tudo começou. Cada um, vivendo com garra, ritmo e sentimento os últimos anos de solidão. Dois grandes homens. Pela capacidade de provocar vastas emoções, nos fazer viajar, sentir, piangere…. Pela capacidade de compor na justa medida .
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Li, ouvi a música, reli. Para mim foram três deliciosas experiências. Seu texto segue o compasso da música: tão bonito, sofisticado, dramático até. São tantas as passagens de que gostei, mas destaco uma: “que os encontros, só por momentos, talvez, saciem as fantasias tecidas em volta da completude plena e eterna.”. Texto daqueles que “tocam” a alma da gente.
Vaneska
Oi Julia, adorei sua proposta, como a interpreto, de fazer da música uma espécie de epígrafe do texto (assim como eu usei a fotografia). A música não é mero mote ou mero pano de fundo. Li o texto ouvindo-a e é impressionante como os dois sentidos, ler e escutar, se casam no seu relato. Foi uma experiência duplamente gratificante!
"A solidão de cada um, dentro das próprios sentimentos, experiências, da precariedade da vida, da finitude, ressoa no teatro". Linda passagem, dentre tantas passagens lindas. Me emocionei com a finura e a sensibilidade do texto. Ouvi a música e li o texto; li a música e ouvi o texto. Me fez até amar a humanidade. Lindo!
Ser inteiro é das medidas mais bonitas, mais almejadas e das mais complexas de alcançar. Ser inteiro com o outro, então, um sonho…