
Apenas passo os olhos pelos jornais; jogo-os fora, alegremente, porque eles pretendem dar-me notícia de muitos problemas, e eu não tenho nem quero problema nenhum.
Apenas passo os olhos pela linha do tempo do Facebook e fecho-a, com certo enfado, porque quase todos os posts de amigos e amigas ora pretendem compartilhar notícias sobre o caos político, ambiental e social, ora pretendem compartilhar fotos de alegria em família, com amigos ou numa viagem sensacional.
Diferente dos jornais do Rubem Braga* que dão notícias gerais a ele, os posts do Facebook têm a intenção de dizer algo pessoal sobre o remetente, mas não necessariamente destinado a mim. A Luiza não quer que eu saiba que ama muito a mãe no aniversário desta ou o Leonardo não está me contando sobre sua viagem para Machu Picchu. Mesmo que às vezes haja endereçamento explícito ou implícito nos posts, as mensagens são para qualquer um. E eu não sou e nem quero ser qualquer uma. Me desconecto.
Apenas passo os olhos pelo feed ou pelo stories do Instagram e fecho o aplicativo, com o nível de ansiedade aumentado, porque eles pretendem me dar notícia de muita vida editada e melhorada, e a minha vida é tediosa e complicada, divertida e intensa, em proporções parecidas com a da maioria das pessoas. Às vezes é difícil perceber que muito no Instagram é mera ficção ao sabor de sessão da tarde. Publico a foto dos gatos fofinhos que não revelam as três caixas de areia que limpo todos os dias, as idas ao veterinário, o gato te perseguindo para abrir a torneira da pia e beber água, os bibelôs quebrados e a limpeza constante da casa e das roupas cheias de pelos.
Como no jornal, as redes sociais pretendem comunicar, mas enquanto no primeiro a comunicação vem de uma instituição, na rede ela vem de uma pessoa, muitas vezes alguém conhecido e próximo, que não está falando diretamente com você ou pra você. O que ela compartilha diz mais sobre ela: como sou intelectual divulgando esta reportagem, olha que linda estou de biquini na praia, veja como sou bem-sucedida!
Pelo bem da pesquisa para este texto, acabo de passar meus olhos pelo Facebook e encontro, logo de início, o depoimento de uma amiga sobre a amamentação de sua primeira filha e o trauma gerado pela falta de uma boa orientação sobre isso. Seu relato franco sobre um assunto sensível e tão mascarado por idealizações me fez lembrar de que toda regra tem exceção, toda rede tem subversão. Aqui, como em qualquer post, a Renata não escreveu pra mim, escreveu por ela e também por outras mulheres que passam ou passaram pela mesma situação. Como mulher, me comovo e me conecto com sua história.
Talvez tenhamos sido sempre egóicos e frágeis, por isso escondemos nossas fraquezas e medos, mesmo nas trocas presenciais, com receio de que considerem nossa vida menos satisfeita ou menos interessante. Gostaria de fazer como Rubem Braga: aproveitar a boa manhã, banal e rotineira, esquecendo por um instante o tanto que os outros têm a mostrar no mundo virtual e buscando a felicidade numa “suave falta de assunto”.
*A presente crônica é inspirada em “A boa manhã” de Rubem Braga.
6 Comments
Crônica de nossos tempos em que a infelicidade geral é engolida e excretada (usando-se uma função corporal muito falada no momento) em felicidade construída a filtros e máscaras. Texto esclarecedor e inteligente com o cuidado de não cair no moralismo que generaliza.
Obrigada, Eliana! Tempos difíceis, os nossos…
Gostei demais do seu texto, conciso, sagaz; a partir de uma crônica clássica você chega ao nosso presente do indicativo, fazendo uma crítica inteligente e traçando o perfil dos seguidores e afiliados das redes.
Os gatinhos tão fofos do Face versus as idas aos veterinário, as caixas de areia..O antigo charme de fumar – que Monica tão bem colocou – no qual eu cheguei acreditar. Os rituais sem graça do dia versus a vida com os cenários atordoantes do Instagram. Voltemos à realidade! Para fugir, continuo preferindo uma sala escura de cinema, sessão de final de tarde. Sem pipocas.
Boa ideia, Julia, o cinema costuma ser muito acolhedor nas nossas escapadas da realidade. Taí um bom tema para uma próxima rodada: cinema!
Sim, sim! As redes sociais seduzem nossos egos. O exercício de divulgar o que consideramos importante e sensível ao coletivo não é simples. E sim, mais que o face, o insta pode fazer o usuário se sentir a pessoa mais sem graça do mundo. Essas felicidades editadas servem a quem mesmo? Às vezes me parece mais um vício que a humanidade criou para si mesma. Aquele charme de fumar cigarro, sabe?
Tenho exercitado o afastamento e assumido internamente que quando quero publicar algo, é porque quero mesmo. Porque é belo, porque é urgente, porque é interessante. Ao menos para mim. Se alguém mais achar o mesmo, fico contente.
Seguir pessoas conhecidas é bem mais saudável do que seguir celebridades. Ao menos sabemos quando o conteúdo é falso. 😉
Ótima reflexão, Monica! Vou pensar mais nas minhas intervenções a partir desse porquê e desse querer 🙂